sexta-feira, 16 de março de 2012

Jornal ligado a Chávez prega ódio aos judeus para atacar seus opositores.

O escritor IAN KERSHAW, em seu livro HITLER, 2010, da Editora Schwarcz, inicia dizendo que “A ditadura de Hitler tem a característica de um paradigma para o século XX.”

IAN em suas Reflexões  sobre Hitler continua: “Sobretudo, acendeu um farol de advertência que ainda brilha, com intensidade: mostrou como uma sociedade moderna, avançada, culta pode afundar rapidamente na barbárie, culminando em guerra ideológica, brutalidade e rapacidade dificilmente imagináveis, e em um genocídio como o mundo jamais testemunhara.”

IAN demonstra em seu livro que Hitler também é um produto da sociedade alemã da época, dos intelectuais, dos artistas, de políticos, bem como, dos próprios judeus que o apoiavam em suas ideias de transformação da Alemanha humilhada pelo Tratado de Versalhes, em Estado forte e hegemônico, camuflando como grande inimiga, que precisava ser combatida, a ameaça comunista oriunda da Rússia, que desta forma, servia de amortecedor das pressões dos demais países europeus e americanos, que deixaram o “monstro” seguir sua trajetória criminosa que conduziu à II Guerra Mundial e, novamente, à destruição da economia europeia.

Hitler começou a plantar o seu ovo da serpente nos anos 20, como “desordeiro de Munique”, em quem ninguém prestava atenção.

Será que não estamos assistindo uma nova versão do culto nazista, uma vez que, terminada a guerra, vários seguidores de Hitler fugiram para fora da  Alemanha, inclusive para a América do Sul, onde se instalaram com o beneplácito dos governantes destas plagas, também detentores dos genes autoritários hegemônicos?

Não podemos esquecer que a "ideia social"  e "espaço vital" de Hitler,  simplista, difusa e manipuladoramente, nada mais visava que a conquista dos trabalhadores para o nacionalismo, destruição do marxismo e superação da divisão entre nacionalismo e socialismo, mediante a criação de uma nebulosa "comunidade nacional" baseada na pureza racial e no conceito de luta".

As ações de Chavez se dá com base na interpretação errônea do pensamento florentino de Maquiavel, de que "os fins justificam os meios!"


"SE OS JUDEUS CHEGAREM AO PODER, ESTAMOS FODIDOS", DIZ A MANCHETE.

Do Blog de Cláudio Humberto, em 16.03.2012.

Um tradicional jornal da esquerda venezuelana, Kikiriki, ligado ao semiditador Hugo Chávez, publicou manchete de primeira página em que, numa referência à origem judaica do candidato de oposição a presidente, Henrique Capriles Radonski, adverte: "Se os judeus chegarem ao poder estamos fodidos". 

Henrique Capriles é católico, mas seus avós por parte de mãe eram judeus, mortos no campo de concentração nazista de Treblinka. 

No editorial, o jornal chavista afirma que "os judeus sionistas se apoderaram do dinheiro do mundo e de suas grandes corporações, bancos e empresas, assim como dos meios de rádio, TV e jornais e agora puseram os olhos na Venezuela. 

Capriles Radonski, bilionário, é filho de pai judeu e de mãe judia, razão pela qual é preciso estudar suas conexões internacionais e aprofundar sua história. 

Estaremos fodidos se os judeus chegarem ao poder – e quem tiver dúvida disso, que pergunte aos palestinos e aos árabes”.

BLOG DO CLÁUDIO HUMBERTO  / 16/03/2012 | 17:52 

COLUNA DO ARTHUR NETO


TRABALHO INÓCUO

Lisboa – O governo vem adotando medidas, para enfrentar a valorização do real diante do dólar, de maneira atabalhoada e inconsequente. São medidas artificiais, que poderão custar significativo preço econômico ao país.
Em primeiro lugar, registre-se que em momentos de relativa calmaria, os capitais procuram mercados supostamente seguros, que lhes proporcionem forte remuneração. O Brasil, sua democracia, sua estabilidade econômica e política – e com seus juros elevados – é um desses portos. Quando sinais de recrudescimento da crise surgem no horizonte, esses mesmos capitais vão em busca das bolsas norte-americanas que, com todos os pesares, são as mais garantidas dentre todas as suas congêneres.
Em segundo lugar, remarque-se que, neste momento, tanto EUA quanto Japão, Zona Euro e Inglaterra estão inundando o mundo com liquidez impressionante. É a forma que encontraram de enfrentar suas próprias crises. E aí, como bem diz a Presidente Dilma Rousseff, um tsunami de dólares desaba sobre o Brasil, valorizando-nos a moeda.
Rebaixar a taxa Selic mais do que já a rebaixou, penso que o governo não pode fazer indefinida e impunemente. Há uma taxa de juros de equilíbrio que, se ultrapassada, aciona os mecanismos de alavancagem da inflação. Que, diga-se de passagem, já está elevada demais para os padrões internacionais, sempre muito acima da meta estipulada pelo Banco Central, contra crescimento pífio de 2,7% em 2011 e perspectiva real (não os delírios de Guido Mantega) de menos de 3% para 2012.
A inflação, que ameaça sair dos eixos em 2013, já acumula 1,01% nos dois primeiros meses deste exercício. A produção industrial recua perigosamente, iniciando um processo de desindustrialização; o dólar baixo facilita a entrada dos importados e, com isso, diminui perigosamente o saldo positivo da balança comercial. E passamos a exportadores de empresas e empregos para outros centros, leia-se China.
O governo, que submeteu o Banco Central às ordens do Ministério da Fazenda, em retrocesso mais do que lamentável, deixa claro que não faz esforço para atingir o centro da meta inflacionária (elevados 4,5%); parece focar em 5,5%, que seria a meta informal e verdadeira a ser perseguida. O déficit em conta corrente beirará os US70 bilhões em 2012.
Se o PIB crescer 2,5% neste ano e se o somarmos aos 2,7% de 2012, teremos, como média do biênio, irrisórios 2,6%.  E se somarmos a inflação, maquiada, de 2011 (6,5%) com possíveis 5,7% em 2012, teremos a rude media de 6,1%. Resultado: prejuízos para os brasileiros como um todo, sobretudo para os mais pobres.
O crédito diminui. A inadimplência aumenta. A inflação alta contribui, em muito, para o aumento da inadimplência. Aliás, inflação acima de 5% por período prolongado gera insatisfação social.
Daí as greves que vão pipocando aqui e ali. Ou já nos esquecemos do ruidoso episódio da PM baiana, quando o governador Jacques Wagner cortejava os ditadores cubanos e seu estado virava trágico faroeste?
Melhor advertir duramente do que bajular torpemente.

quinta-feira, 15 de março de 2012

UMA REFLEXÃO SOBRE O PROBLEMA DA ÁGUA POTÁVEL EM MANAUS.


O ESBULHO DA ÁGUA DE MANAUS

Archibaldo Figueira

Do Site www.anovademocracia.com.br

Suez, o monopólio transnacional da água, eletricidade e gás natural, há oito anos impõe à população de Manaus tarifas muito superiores às cobradas em Roma, capital italiana banhada pelo Tibre, um filete que brota na Toscana e deságua no Mar Tirreno.

A exploração foi levada às primeiras páginas dos jornais italianos pela jornalista Andrea Palladino, que acompanha o escândalo desde o ano 2000, quando o governador Amazonino Mendes mandou a Polícia Militar cercar a Assembléia Legislativa para os deputados aprovarem a lei que, baseando-se na política da parceria público-privada, transformou a distribuição de água do Rio Amazonas em um negócio qualquer.

O abastecimento de água foi dado em concessão à Suez em junho de 2000 e os moradores de Manaus passaram a pagar até 40% a mais do que moradores de muitas cidades da Europa. Informa-se que os serviços atingem 1.600.000 habitantes, mas em muitos casos a água não chega nas casas, tendo de ser carregada a cada manhã em pipas dos poços artesianos e transportada por crianças, mulheres e anciãos.

Quando a Suez chegou, um real valia o mesmo que um dólar, e as empresas estrangeiras eram atraídas pela perspectiva de investir no Brasil. Os monopólios transnacionais atacaram com máxima voracidade os serviços essenciais. Manaus estava entregue a uma companhia de água pública conhecida desde sempre pela sua crônica ineficiência, e o canto de sereia da privatização, na época, significou criar na população a expectativa por um serviço melhor.

Na verdade, porém, dispor de uma companhia pública em péssimas condições fazia parte do jogo entreguista do chamado "neoliberalismo". Os vendilhões cuidaram de desmantelar rapidamente o serviço público para facilitar a chegada dos monopólios. Para a Suez, foi um excelente negócio: pagou 193 milhões de reais, por um serviço com valor contábil estimado em 480 milhões.

O gerenciamento livrou-se de uma questão social, já que a Suez, como empresa privada, não encontrava obstáculos para suspender o fornecimento à quem não estivesse em dia com suas contas, e a inadimplência era elevada.

Agora, entretanto, a Suez afirma que não tem possibilidades de prosseguir com seus investimentos, estando consequentemente impossibilitada de cumprir o contrato de concessão. O gerenciamento estadual, por outro lado, alega que não pode investir, pois o monopólio tem direitos completos por 45 anos. Além disso, a situação da rede de esgoto (também incluída no contrato de concessão) é dramática: menos de 10% da população é ligada ao sistema que, em boa parte, é ainda aquele construído pelos ingleses um século atrás. 

As doenças relacionadas à água (verminose, malária, dengue, hepatite A e infecções gastro-intestinais) aumentaram e preocupam cada vez mais os médicos.

Para equacionar o problema, recorreu-se, uma vez mais, à fórmula PPP. Em 2002 o presidente da Suez, Gerard Mestrallet, apresentou a Romano Prodi, presidente da Comissão Européia, um "apelo para uma verdadeira batalha da água", assegurando que o monopólio Suez "é totalmente contra a privatização desse bem natural", e propondo às instituições públicas de todo o mundo "o desenvolvimento de ações conjuntas" para que a situação assim permanecesse.

No caso do Brasil, propôs-se que todos os níveis de gerenciamento se encarregassem dos investimentos necessários para a expansão das redes de distribuição da água e do sistema de esgoto, cabendo às empresas privadas, por outro lado, administrar as estruturas e recavar os lucros. Além disso, para evitar eventuais problemas em relação à qualidade do serviço, a Suez propôs a divisão da cidade de Manaus em duas áreas: a área "consolidada", onde a água distribuída será potável e a área de "expansão" (isto é, boa parte da periferia) onde o respeito pelas normas de potabilidade não poderá ser garantido. Estabelece-se, assim, uma espécie de apartheid social da água.

Sob este aspecto, o problema da água, em Manaus — como em toda a América Latina — gerou um diferencial que já não é tecnológico, nem econômico, porém social, ou de status. Se em determinada moradia  é potável, significa que foi paga, e quem dela dispõe está na estreita fatia do grupo consolidado. Se, ao contrário, trata-se de morador da periferia, que ganha salário mínimo e não consegue pagar as contas domiciliares, a água se transforma em um bem impossível de ser usado.

O modelo Suez de gestão da água foi premiado por 180 monopólios sediados na Suíça por juntar a "sociedade civil" à fórmula PPP.  

Os métodos usados em Manaus contribuíram em muito para a premiação. No ano 2002, a Suez, entendendo que era impossível operar na capital amazonense sem a colaboração da população, juntou-se à Essor, uma ONG francesa, e criou, em um dos bairros mais pobres da cidade, uma associação de moradores incumbida da distribuição das contas de água, do recolhimento de dados dos novos clientes, de convencer quem tem dívidas acumuladas com a companhia a tentar pagar através de prestações, de mediar todas as situações que possam criar problemas. Em troca, a associação recebe 2% da receita obtida. Ou seja, transforma o vizinho em cobrador da companhia de água.



“O processo começa em 1999 com o desmembramento da Empresa Estadual COSAMA (Compania de Saneamento do Estado do Amazônas) em duas partes, surgindo em seu lugar uma empresa municipal para atender à capital do Estado, assumindo a parte mais importante do consumo e que será motivo da privatização, enquanto o Estado mantém a empresa que atenderá à parte menos lucrativa do interior, com menor população e, por tanto, menor número de consumidores. Em seguida seria criada uma Lei Municipal (Lei 513/1999) para consolidar a concessão privada. A reestruturação buscava fazer os serviços de distribuição e saneamento atrativos para a iniciativa privada. Desta maneira, a MANAUS SANEAMENTO surgiu sem dívidas e centrada na cidade mais lucrativa do Estado, pois com a maior capacidade de consumo e pagamento. Rapidamente, em julho de 2000, é realizada a venda ao grupo Suez, e a empresa assumirá o nome fantasia de “Águas do Amazonas”.” (A privatização da água na cidade de Manaus e os impactos sobre as mulheres, do EQÜIT INSTITUTO – Gênero, Economia e Cidadania Global)


ÁGUA: A LUZ DA VERDADE

Do Blog do Sarafa, de 15.03.2012.


Durante os quatro anos que estive à frente da Prefeitura de Manaus enfrentei alguns dos muitos problemas crônicos da cidade. Um deles foi o abastecimento de água da cidade.
Por conta disso, li e estudei esses problemas. Busquei as soluções mais viáveis e os relatórios insuspeitos da ARSAM atestam que a decisão de repactuar o contrato estava correta. Dela resultaram os melhores números de todos os tempos. Está resolvido o problema? Claro que não. Muito foi feito, mas tem muito por fazer e que exige a participação de todos. E para haver participação tem que haver humildade, entendimento, conversa e, sobretudo falar a verdade.
No entanto, no  ano de eleição surgem atitudes de todo tipo.
Uns, que nunca pregaram um prego numa barra de sabão, colocam as coisas como se fossem fáceis.
Outros que nunca leram nenhum documento sobre o assunto, querem  dar aula sobre o tema.
E existem aqueles que estando umbilicalmente ligados ao problema fazem  cara de paisagem de  quem não tem nada com isso. E pior, repetem a ladainha de que é culpa da “administração anterior”.
Especificamente  refiro-me as regras do reajuste. Elas estão previstas na CLÁUSULA 9ª – DO REGIME TARIFÁRIO do Contrato de Concessão assinado pelo então Governador Amazonino Mendes, em 04 de julho de 2000. Também assinaram esse contrato os senhores Américo Gorayeb e Alfredo Paes, seus atuais secretários.
É exatamente esse Contrato, principalmente as CLÁUSULAS 9.5 a 9.8, que estabelecem as regras do reajuste. E são elas que autorizam a Concessionária, no caso, a Águas do Amazonas a reajustar a tarifa unilateralmente se o Poder Concedente, no caso a Prefeitura, não se manifestar. Transcrevo abaixo na íntegra:
9.5. O cálculo do reajuste será elaborado pela CONCESSIONÁRIA devendo ser submetido ao PODER CONCEDENTE até 07 (sete) dias antes da “Data de Referência Anterior” para que este verifique sua exatidão no prazo de 7 (sete) dias úteis contados de sua apresentação.
9.6. Estando correto o cálculo do reajuste, o PODER CONCEDENTE efetuará a sua homologação, notificando formalmente a CONCESSIONÁRIA, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, e autorizando-a a praticar os novos valores de tarifas a partir do 10º (décimo) dia útil subsequente ao recebimento da notificação.
9.7. Na hipótese do PODER CONCEDENTE não concordar, total ou parcialmente, com o cálculo do reajuste preparado pela CONCESSIONÁRIA para o reajuste da tarifa, deverá informar formal e fundamentadamente, no prazo estabelecido no item 9.6. , as razões de sua inconformidade, fixando o valor que deverá ser aplicado.
9.8.  Caso o PODER CONCEDENTE não se manifeste no prazo estabelecido no item 9.5. supra, a CONCESSIONÁRIA ficará autorizada a praticar as novas tarifas nas mesmas condições dispostas no item 9.6.  
Quem assinou esse contrato com essa “pérola” não fui eu, não. Quem assinou foi o Amazonino, o Alfredinho e o Gorayeb.
Portanto, se culpa existe é da administração passada…. do Governo do Estado que coincidentemente é a mesma que atualmente comanda a Prefeitura.
Se quiserem aplicar para cima de mim o que dizia o marqueteiro do Hitler – uma mentira repetida mil vezes vira verdade – saibam que não vai colar, porque as mentiras não resistirão a luz da verdade e cairão que nem um castelo de cartas.
Quem tem a verdade ao seu lado, dorme tranquilo.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Poucas pessoas sabem, porém, fizemos parte de uma equipe do CEBRAE (sim, com C ainda) NACIONAL, no Rio de Janeiro, lá nos anos 70, que "brigava" com as grandes instituições de crédito para que criassem linhas específicas para as microempresas. Lembro que, como Coordenador Nacional do Programa de Microempresas - PROMICRO, viajávamos por todo o Brasil, discutindo com os Governos Estaduais e Presidentes de Bancos Oficiais, dentre os quais os bancos federais, do Nordeste, da Amazônia e o BRDE, no sul, apresentando o projeto e as experiências que o CEBRAE vinha estimulando de norte a sul do país. Até então o BNDE (sem o S ainda), o Banco do Brasil, a CEF, o IPEA e a ABDE eram contra a criação de tais linhas, cujos riscos julgavam imponderáveis, fazendo as exigências tradicionais como comprovação de experiência da empresa, tempo de existência, experiência em tomar crédito, juros mais altos em função do temido “risco creditício”, garantias reais, avalistas, pouco prazo para pagamento, a despeito das pesquisas que lhes apresentávamos sobre os pequenos empresários mostrarem ser eles mais adimplentes; que as exigências bancárias eram impossíveis de serem atendidas por essa camada de potenciais tomadores; que a produção poderia servir de garantia, etc. Naquela altura, no Nordeste, a UNO – União Nordestina de Assistência a Pequenas Organizações, em Recife, Pernambuco, desde 1972 desempenhava uma experiência exitosa com “crédito orientado” para as pequeníssimas organizações. Lembro-me até hoje, do seu Gerente, Maurício Camurça, que cuidava com muito carinho de sua experiência pioneira e temia pelo insucesso se aumentássemos a escala do Programa para o nível nacional. Foi com muito esforço e dedicação que o CEBRAE NACIONAL e os CEAGs do Ceará e do Rio Grande do Sul, com base na experiência embrionária da UNO, desenvolveu a metodologia CEBRAE para o Programa de Assistência às Microempresas – PROMICRO. O PROMICRO, dentre outras consequências paralelas, serviu para promover a mudança do nome do CEBRAE, o qual continha a expressão PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS, para centrar no foco das MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, passando-se a ser denominado de CENTRO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, em vez de Centro Brasileiro de Apoio às Pequenas e Médias Empresas. O nosso entusiasmo com o PROMICRO era tão intenso que os demais técnicos do CEBRAE nos chamavam, de forma carinhosa, de “microtécnicos” e isso não nos incomodava. Hoje, praticamente não existem as barreiras daqueles anos, criadas pela hierarquia dos problemas mais importantes do país, estabelecida pelo seu estágio de desenvolvimento, que se impunha ao pensamento dos formuladores de políticas econômicas. Os tempos são outros. Nem por isso, devemos deixar de prestar homenagem às pessoas que conosco plantaram as primeiras sementes do Microcrédito no Brasil, cuja história muita gente faz questão de distorcer. Naquele período da história, foram visionários e entusiastas alguns executivos, como Valternonem Coelho dos Santos, Presidente do CEBRAE; Amaro Ferreira de Oliveira, Diretor Administrativo do CEBRAE; Afonso Cozzi, Ditetor Técnico do CEBRAE; Ary Burguer, Presidente do BRDE; José Ferrer, Coordenador do Programa PIPMO, do Ministério do Trabalho; Américo Fortes, Diretor Executivo do NAE/CEAG/CE, dentre outros. São inúmeros os heróis anônimos dessa empreitada, que se espalhavam por todo o país, numa marcha “doutrinadora” sobre a importância do crédito para o surgimento, desenvolvimento e crescimento do empreendedorismo no Brasil. Lembro de alguns desses “microtécnicos”, sem querer fazer injustiça com nenhum desses “heróis anônimos” que a memória não me permite lembrar: José Ramalho, Consultor do NAE/CEAG-CE; Hamilton Mancuso, CEAG/RS; Ary Schneider, CEAG/RS; e muitos outros espalhados Brasil a fora. Hoje, é com muita alegria que leio um dos maiores economistas brasileiros, guru de vários de nós economistas, DELFIM NETTO, se debruçando sobre o tema Microcrédito, reescrevendo, exatamente a mesma coisa que defendíamos há quase quatro (04) décadas atrás, sem, contudo, deixar de relembrar o velho chavão aconselhador usado na época, de adoção de medidas “cuidadosas e seguras” para o microcrédito, “com taxas de juros mais acessíveis e menor burocracia...”

MICROCRÉDITO
Antônio Delfim Netto


Talvez um dos fatos importantes a respeito da sociedade brasileira seja a afirmação de "identidade" de um enorme contingente populacional que gosta de imaginar-se como "classe média".

Isso, obviamente, não é acidente nem produto espontâneo. É consequência de um processo civilizatório recente em que as políticas sociais sujeitas a algumas condicionalidades foram mais bem focadas. 

Paralelamente, houve uma "inclusão" desses cidadãos na economia de "mercado" devido ao forte aumento das oportunidades de emprego e ao acesso ao crédito.

Uma das características mais marcantes desses novos cidadãos é a "internalização" de que o fator mais importante para "subir na vida" é a conquista da educação para si e para seus filhos, ainda que lhes custe enormes sacrifícios.

Só não percebe essa ascensão social quem sofre de miopia. É tal ascensão que vai continuar a permitir a construção de um mercado interno capaz de garantir o mínimo de economicidade e "incluir" o Brasil, de forma adequada e relativamente segura, na globalização avassaladora que fragmentou o processo produtivo.

Esses fatos são visíveis na recente pesquisa feita pela Fondapol (Fondation pour l'Innovation Politique), em meados de 2011, com jovens de 25 países, em que se perguntou: 1º) Você acha seu futuro promissor ("prometteur")?; 2º) Você acha o futuro do seu país promissor?

À primeira pergunta 87% dos jovens brasileiros responderam afirmativamente, e à segunda, 72%. Isso contrasta com os EUA, onde à primeira pergunta 81% responderam afirmativamente, mas à segunda, apenas 37%. O curioso é que na China a coisa se inverte: 73% creem que têm futuro promissor, mas 82% creem no futuro promissor do seu país.

O governo decidiu estimular o Banco do Brasil - agora proprietário do Banco Postal - e a Caixa Econômica Federal - que controla as "lotéricas" - a expandirem cuidadosa e seguramente o microcrédito, com taxas de juros mais acessíveis e menor burocracia, o que deve aumentar a "inclusão" social. 

É importante dizer que, para fazê-lo, não se cogita subsídio do Tesouro ou violação das garantias exigidas pelo Banco Central, mas, sim, redução da distância entre os bancos e o tomador de crédito, diminuindo o evidente constrangimento dos mais pobres de acessarem os bancos.

Isso vai ser feito aproveitando a "imagem" e a reputação secular do BB e da CEF - que, para os mais simples, significam segurança absoluta. A economia de escala deve tornar os seus "spreads" mais atrativos do que os dos bancos privados que só agora começam a "descobrir" os potenciais novos clientes e vão ter que disputá-los. 

FOLHA DE SÃO PAULO / OPINIÃO / 
ANTONIO DELFIM NETTO / MICROCRÉDITO / 14.03.2012.

terça-feira, 13 de março de 2012

DILMA ESCOLHE CHINAGLIA, DE GRUPO RIVAL AO DE LULA NO PT, PARA LÍDER DO GOVERNO

NERVOSO E IRASCÍVEL, CHINAGLIA CONTESTA FACÇÃO DE LULA NO PT 



Do Blog do Cláudio Humberto, em 13.03.2012

O deputado Arlindo Chinaglita (SP), que já foi presidente da Câmara, deve ser o novo Líder do Governo na Casa, segundo a cúpula petista, no lugar de Cândido Vaccarezza (SP). 
O parlamentar foi chamado ao Palácio do Planalto, onde se encontra neste momento. 
A substituição pode representar um divisor de águas no relacionamento entre a presidenta Dilma e o PT, porque integram facções rivais, no âmbito do partido. 
Vaccarezza é ligado à facção Construindo um Novo Brasil (CNB), liderada pelo ex-presidente Lula e o ex-ministro José Dirceu. 
As diferenças entre os dois grupos são tão marcantes que Chinaglia tentou destronar Vaccarezza da liderança já no começo do governo Dilma. 
Ele sempre foi tratado com desdém por Lula e, apesar de toda a pressão, jamais conseguiu exercer cargo de destaque no antigo governo. 
Sua escolha para chefiar a Liderança pode representar mais um gesto hostil de Dilma contra os "lulistas" que herdou em sua equipe. 
E há dúvidas de que o desempenho de Chinaglia será melhor que o de Vaccarezza: do tipo nervoso, irascível, que sempre está à beira de um ataque de nervos, o deputado não tem bom trânsito com a maioria dos partidos aliados na Câmara.
BLOG DO CLÁUDIO HUMBERTO / 13/03/2012 | 16:45

segunda-feira, 12 de março de 2012

COLUNA DO ARTHUR NETO


O POUSO DA CHINA

Lisboa – A China, que vinha crescendo 9%, 10% e até mais, anualmente, prepara-se para faze seu soft landa, seu pouso suave, adaptando-se, por uns tempos, a taxas em torno de 7,5%. À primeira vista parece que essa taxa se revelaria incapaz de sustentar 1,3 bilhão de seres humanos. Mas o projeto chinês é sofisticado: enfrentar a inflação renitente que já não dá para disfarçar com maquiagens típicas de regimes autoritários; investir na qualidade de vida dos mais pobres, ordenar o processo de urbanização inevitável e fazer do seu desenvolvimento algo mais casado com o respeito ao meio ambiente.
O Brasil perderá em crescimento econômico com a programada redução do crescimento chinês. Hoje, exportamos nossas commodities, nossos produtos de base para lá e recebemos de volta artigos manufaturados, muitas vezes em concorrência com a indústria nacional. Viramos – e é lamentável constatar – uma espécie de "neocolônia" da China, que investe em inovação de um jeito que não temos sido capazes de fazer. Do jeito que vai, a tendência é esse quadro se agravar e nos tornarmos mais e mais dependentes do colosso asiático.
Mas o projeto chinês se resume em crescer menos com mais qualidade. Pretende, até 2020, deixar para trás a fama de país exportador de produtos de baixa qualidade e reduzido esmero tecnológico, para ser a pátria da altíssima tecnologia. Chegam a dizer: "a fase do made in China está virando passado. Vem agora o período áureo do desinbed in China".
Para o Brasil, haverá prejuízos: concorrência mais forte com nossa indústria e menos apetite por nossas commodities. Para a China é um passo calculado que trará no bojo a boa novidade da preocupação ecológica, nunca antes demonstrada tão claramente por uma economia que se marcou, por décadas, tanto por ser avassaladoramente dinâmica quanto por se mostrar altamente poluidora.

DILMA AOS POUCOS TOMA CAMINHO PRÓPRIO, DEIXA SUA MARCA E REMODELA O ESTADO BRASILEIRO AO SEU JEITO.


A presidente Dilma Rousseff se distancia de seu antecessor, imprime estilo próprio ao governo e pode estar preparando uma agenda ambiciosa, afirma a tradicional revista The Economist, em edição que chegou às bancas na noite de quinta-feira. 

Sob o título "Sendo ela mesma", o texto destaca que, sem gestos bruscos, a presidente vem emergindo da sombra do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "predecessor e patrono", "para remodelar o estado brasileiro a seu próprio jeito".

Com uma ilustração que mostra a presidente Dilma Rousseff dirigindo um ônibus que entra em uma rua chamada Dilma’s Way (Caminho de Dilma), com membros de seu gabinete sendo arremessados para fora do veículo e o ex-presidente observando um Lula um tanto intrigado, a The Economistdestaca os princípios firmes, o perfil mais técnico, a lealdade a aliados e o toque feminino como traços principais do atual governo brasileiro.

A revista destaca que, embora tenha mantido a composição – e muitos ministros – de Lula, a presidente demitiu sete ministros por suspeita de corrupção, "depois de defendê-los inicialmente". E, embora tenha escolhido seus sucessores, manteve certo pragmatismo - traço de Lula - como no caso da substituição de Mario Negromonte no Ministério das Cidades. O novo titular da pasta, Aguinaldo Ribeiro, "já enfrentava acusações ao assumir", lembra a publicação.

Agenda ambiciosa

Por outro lado, a Economist afirma que Dilma parece estar preparando terreno para uma agenda mais ambiciosa. "Muitas de suas escolhas soariam descabidas sob Lula", pondera a publicação, antes de citar as nomeações de Eleonora Menicucci, para a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Marco Antonio Raupp, para a Ciência e Tecnologia, e Maria das Graças Foster, para a presidência da Petrobras, como sinais de que está sendo posto em prática "um programa próprio".

"Muitas de suas escolhas soariam descabidas sob Lula"

A revista diz que, em seu primeiro ano de governo, Dilma levou ao Congresso apenas uma grande reforma, a Desvinculação das Receitas da União, que permite ao Executivo manejar livremente até 20% de suas receitas anuais. Mas estariam a caminho, segundo a Economist, a reforma no sistema previdenciário, a partilha dos recursos do Pré-Sal, o Código Florestal e a adoção de metas para o serviço público.

Diante deste cenário, a publicação cita a aprovação crescente, 59%, a ampla maioria na Câmara dos Deputados, onde a oposição "tem meros 91 representantes entre os 513 parlamentares", e o crescimento econômico como fatores que podem ajudar a presidente a se livrar de aliados problemáticos e "lembrar quem manda".

The Economist / 17.02.2012 /  07:37 (Brasília) 09:37 GMT

"Porque Lula perdeu a oportunidade de fazer isso. Eu tinha uma relação pessoal antiga com Lula. Fomos muito próximos. Ele passou férias na minha casa de praia com sua família. Mas não tivemos relação institucional, porque essa foi a decisão do PT. Mas isso foi por causa da política eleitoral. Dilma é diferente. Ela não tem ligação pessoal comigo, é um relacionamento muito mais superficial do que foi com Lula. Talvez ela ainda não se veja – pelo menos até agora – como candidata, de modo que ela não encara outras pessoas como inimigas. Não sei, mas ela tem sido sempre muito correta comigo."

MAIS SEGURANÇA PESSOAL, MENOS DESIGUALDADE

Em 12 de janeiro o chefe da nossa sucursal em São Paulo entrevistou Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil de 1995-2002, no Instituto FHC. Eles discutiram os desafios do Brasil e seu poderio global crescente. Você pode clicar abaixo para ouvir a conversa, ou ler a transcrição completa a seguir.
The Economist: Podemos começar pela maneira como a posição do Brasil no mundo está mudando? O Brasil parece estar tentando criar um novo tipo de poder mundial – um “soft power”.
Cardoso: No século passado a economia do Brasil cresceu muito consistentemente até 1980. Só o Japão cresceu mais depressa em termos per-capita. Daí em diante o Brasil tem sempre procurado novos papéis. Na cabeça do povo brasileiro, somos um gigante. Mas nosso tamanho, por muito tempo ele foi uma ilusão. Nós ainda não temos capacidade de desempenhar um papel importante. Ficamos o tempo todo imaginando o que poderíamos vir a ser.
O Brasil aspirava ser parte do grupo central da Liga das Nações; depois da Segunda Guerra Mundial o Brasil levantou essa possibilidade de novo [durante a criação das Nações Unidas]. Churchill vetou, dizendo que as Américas não poderiam falar com duas vozes. Churchill errou. Assim, nós sempre aspiramos um papel importante.
No século XIX, por causa do confronto entre Espanha e Portugal, nós nos envolvemos em guerras no Sul, e o império brasileiro foi percebido por nossos vizinhos como uma ameaça. Depois o eixo deslocou-se para os Estdos Unidos e o Brasil virou uma República e muito mais acomodado – e novamente hesitou. Até que ponto deveríamos desempenhar um papel hegemônico na região? Nunca assumimos esse papel. Preferimos ser amados a ser temidos.
No fim do século passado, a economia recuperou o vigor, estabelecemos tradições democráticas e redescobrimos nossas peculiaridades culturais. Isso nos deu uma sensação de que talvez pudéssemos desempenhar um papel na área da “soft politics”: não apenas por sermos economicamente fortes, mas também por causa da nossa capacidade de aceitar os outros, de sermos tolerantes. Nós gostamos de nos considerar sem preconceitos, como uma democracia racial. Não é inteiramente verdade, mas é uma aspiração com alguns ingredientes de realidade. Porque de fato nós somos mais tolerantes do que vários outros países.
Compare os Estados Unidos e o Brasil. Ambos são países construídos com base na imigração, nas no Brasil os imigrantes se integraram mais, e o que é mais impressionante é que as culturas se fundiram. Não temos uma cultura negra no Brasil, e uma cultura branca. Não tem sentido no Brasil falar de cultura negra: ela é a nossa cultura.
E nós aceitamos a variedade religiosa. Não somos intolerantes – os brasileiros são sincretistas, não fundamentalistas. E porque somos um país de imigrantes, temos contato com diferentes partes do mundo. Muitos brasileiros são japoneses e talvez mais de 10 milhões são árabes. Mais que isso são alemães. Não há outro país no mundo com mais italianos, em números absolutos. E tudo isso se fundiu. Nós nunca sabemos exatamente qual é nossa ascendência.
O Brasil sempre foi a favor do multilateralismo, em vez de relações bilaterais, e de tentar negociar, lançar pontes. A diplomacia brasileira se baseia nisso. Nós precisamos olhar para o Sul, para a bacia do Rio da Prata, e para os Estados Unidos; relacionarmo-nos tanto com os Estados Unidos quanto com o Sul.
Há elementos de flexibilidade na cultura brasileira que têm origem em Portugal, não só no Brasil. Se você comparar os portugueses e os holandeses na África, é bem diferente. Os portugueses sempre tiveram relações sexuais com os nativos. Há uma frase que eu gosto de repetir quando estou na Espanha. No século XVIII, o Marques de Pombal [Sebastião José de Carvalho e Melo, o primeiro ministro do Reino de 1750 a 1777] escreveu uma carta para seu irmão, o vice-rei do Norte do Brasil, dizendo: temos que estimular os portugueses a se casar com mulheres indígenas, porque é melhor ter meio português do que um espanhol! Eles estavam enfrentando os espanhóis e se preocupavam com a questão demográfica. Sentiam que essas crianças eram, de algum modo, portuguesas. Isso não é comum no mundo hispânico, eles se mantinham mais separados.
Então, no Brasil, a classe dominante em geral tentava disfarçar o fato de que a desigualdade era tão grande. Uma das maneiras de disfarçar as diferenças é tratar as pessoas como se elas fossem mais próximas do que realmente são, falar como se fôssemos iguais. Até certo ponto, isso é um engodo, mesmo que as pessoas não se dêem conta; é uma maneira de manter as diferenças sem provocar uma reação forte. A parte tradicional da classe dominante no Brasil será sempre amena, gentil, pedindo sempre “por favor”, em vez de mandar. Com a nova burguesia não é assim: eles são muito mais arrogantes do que os grupos da elite tradicional do Brasil. São diferentes – mais capitalistas.
The Economist: Vamos falar das mudanças sociais. O Brasil mudou muito nos últimos anos.
Cardoso: O divisor de águas foi a nova Constituição. O começo foi a luta contra o regime militar e as greves. A nova Constituição foi o batismo de uma nova sociedade.
The Economist: Ainda está mudando. Esta República é jovem; a Constituição foi escrita apenas em 1988. Vocês ainda estão ajustando suas instituições. Você participou do processo de construção de instituições, possivelmente o mais importante agente desse processo.
Cardoso: O sentido institucional sempre foi muito presente no Brasil, em comparação com outras partes do Novo Mundo. A monarquia portuguesa era estável, e somos herdeiros da coroa portuguesa. Todas as instituições chegaram aqui com o rei de Portugal e o Rio [de Janeiro] tornou-se a capital do Império português. Ao mesmo tempo, esta é uma sociedade altamente desorganizada! É difícil combinar estes fatos: que temos instituições e ao mesmo tempo estamos sempre dispostos a desobedecê-las. É a flexibilidade – o “jeitinho”. Isso é bom e ruim. Em certos aspectos nossa legislação é ótima mas a prática é um desastre. Por exemplo, temos regras muito estritas sobre a conduta dos funcionários públicos e políticos, e sobre o dinheiro público. E apesar disso a corrupção está aí.
The Economist: A corrupção está aumentando?
Cardoso: Sempre tivemos algum grau de corrupção, aqui e ali, mas o sistema não era corrupto. Agora o sistema permite a corrupção como um ingrediente normal. Todos sabem que quando você organiza um governo você tem que partilhar poder com os partidos. Mas você não está partilhando poder, você está partilhando oportunidades de ter bons contratos.
The Economist: Não foi esse o caso para você?
Cardoso: Não, não, não. Talvez num ou outro caso, mas agora o sistema inteiro está baseado nisso. Isto é novo. É uma evolução muito ruim. Na cultura política, a flexibilidade tornou-se, não flexibilidade, mas tolerância com o crime. Você tem instituições, tem tribunais, mas ninguém está na cadeia.
The Economist: Você vê algum sinal de movimento por mudanças na sociedade?
Cardoso: Alguns indivíduos têm muita raiva. O ponto é que, nos últimos 15 anos, a sensação de bem-estar tem sido tão óbvia, e melhora a cada ano. A população talvez saiba que há alguma coisa errada, mas fica nisso. Não agem contra, não protestam. Algumas pessoas, sim, a “velha” classe média.
The Economist: Agora o Brasil tem duas classes médias.
Cardoso: A nova classe média talvez venha a protestar no futuro, porque ela não e um produto da corrupção, mas dos mercados. Ela está ascendendo na escala social pelo trabalho, por seu próprio esforço. Então eu espero que com o tempo ela reaja. Mas isso vai depender da situação geral. Porque hoje ninguém se importa. As pessoas são contra a corrupção, aqui e ali, mas não se mobilizam, porque a situação esta ok, elas estão ascendendo.
The Economist: Essas pessoas são eleitores naturais do PSDB? Pessoas que estão trabalhando duro e querem manter o que é seu, em outros países votam em partidos que economicamente são de centro-direita. (Nota: o PSDB, ou Partido da Social Democracia Brasileira, foi fundado por Cardoso e outros no bojo do movimento de oposição à ditadura militar, em 1988. O PT, ou Partido dos Trabalhadores, ao qual pertencem a atual presidente, Dilma Rousseff, e o presidente anterior, Luiz Inácio Lula da Silva, foi fundado mais ou menos na mesma época.)
Cardoso: Mas não há sentido de esquerda e direita no Brasil. É estranho. Não temos uma direita no Brasil. O PSDB começou de centro-esquerda e agora na prática é de centro. Mas o que isso significa?
Qual a diferença entre o PSDB e o PT? No começo era muito claro. O PT tinha muito mais ligação com os sindicatos, era muito mais próximo a setores da igreja e tinha uma vaga ideia de socialismo – não socialismo tradicional, não comunismo, mas socialismo no sentido de que não apostavam no estado para mudar a sociedade, mas, ao contrário, que a sociedade civil mudaria o estado. O PSDB sempre foi mais próximo da classe média do que dos sindicatos e nunca teve uma aspiração socialista tão nítida. Era mais social-democrático que socialista, mas, de novo, apoiava a ideia de que o importante não era expandir apenas o estado, mas criar sociedade civil.
Agora creio que o PT descartou a sociedade civil. Eles acreditam no partido e no estado.
The Economist: Qual o papel da oposição num país onde o governo é tão grande? Dentro do governo está todo mundo, dos comunistas à direita, passando pelos latifundiários. Não há ideologia.
Cardoso: Isto é uma certa confusão, mais acentuada sob Lula, porque Lula virou o pai dos pobres – e dos ricos também. Em nome da governabilidade. Lula nunca teve um sentido de luta de classes, apesar de ser um líder sindical. Para ele o importante é negociar. Negociação, mais o enorme ímpeto vindo dos mercados, significou que não há mais diferença entre direita e esquerda.
Sob o regime autoritário tivemos uma direita mais nítida porque havia uma esquerda mais nítida, por causa da Guerra Fria. Com o fim da Guerra Fria e o enorme progresso econômico do Brasil, os grupos mais direitistas no Brasil não são mais direitistas, são conservadores. Em certo sentido, são clientelistas: gostam de estar junto do governo. Se você observar a composição do Congresso, vai ver as mesmas pessoas apoiando [José] Sarney, [Fernando] Collor, [Itamar] Franco, eu mesmo, depois Lula [Luis Inácio Lula da Silva] e agra Dilma [Rousseff]. Não quero pegar um nome específico, mas, só para dar um exemplo, um amigo meu, ministro de Minas e Energia, foi parte disso tudo. Sarney é a mesma coisa: ele foi chefe do grupo do Congresso que apoiou o regime militar e está no governo até hoje.
The Economist: O que faz a oposição não sistema como esse?
Cardoso: Hoje a oposição está numa espécie de armadilha. Nossos partidos tornaram-se cada vez mais partidos congressuais. A oposição é muito ativa no Congresso, faz discursos, protesta, quer organizar uma CPI, uma audiência. E para o povo isso não é nada. A sociedade simplesmente não liga para o Congresso. Os partidos não têm contato com a sociedade. O PSDB tem sido forte em São Paulo há muito tempo, sim, mas a população presta atenção no Executivo, não no Legislativo. Na cabeça dos brasileiros não há contradição entre votar em Lula para presidente e no PSDB para governador do estado.
Contudo, você pode encontrar elementos de racionalidade. Se for ver onde o PSDB é mais forte do que o PT, a tendência é clara: é nas partes do Brasil que são mais desenvolvidas economicamente, mas orientadas para o mercado, ou seja, no meio da “nova classe média”. Não era assim, porque o PT era muito forte nas classes populares urbanas em São Paulo. Mas o PT foi perdendo terreno em São Paulo e se fortalecendo no Nordeste do Brasil, onde em alguma medida substituiu os velhos partidos clientelistas, porque agora é o PT a chave para o dinheiro público.
Isto não é absoluto: há governadores do PT no Sul e governadores do PSDB no Nordeste. Mas se olhar no nível das prefeituras o PSDB está principalmente nas partes economicamente mais progressistas do Brasil: áreas onde o mercado é mais forte e as pessoas são menos dependentes do governo.
Se o PT está no governo, ele consegue todos os aliados em Brasília [onde está baseado o Congresso brasileiro]. Por isso é tão difícil entender isso numa perspectiva europeia. Em alguma medida, mas não exatamente, nossos partidos são mais parecidos com os americanos – uma espécie de máquina de produzir votos. Mas nós com certeza não temos o espectro ideológico que você tem na Europa.
The Economist: Na Europa os partidos de esquerda conseguiram achar um novo papel para si mesmo desde o fim da Guerra Fria: algo como justiça, ou equidade, ou aparar as arestas do mercado. Suponho que hoje no Brasil não existe a sensação de que o mercado tem arestas tão duras!
Cardoso: Se eu penso numa oposição mais forte no Brasil, ela provavelmente se baseará em ideias não econômicas: justiça, segurança pessoal; republicanismo em contraposição à corrupção; respeito pela lei; qualidade de vida.
Se você olha a vida cotidiana, o que está ganhando espaço no Brasil é o mercado. O governo é muito forte e importante, mas o espírito do mercado também está permeando o governo. Veja, por exemplo, a Petrobras ou o Banco do Brasil: eles atuam como empresas privadas.
É importante enfatizar que o espírito de empresa também está ganhando espaço no Brasil. Veja o sistema bancário. Ele se baseava em emprestar dinheiro para o governo a juros muito altos. Mas agora estamos chegando num ponto em que não dá para sustentar esses juros altos, de modo que os bancos terão de se adaptar. O acesso a banco era muito restrito no Brasil; agora está se expandindo. A ideia de crédito é muito nova porque com a inflação isso era impossível.
Em comparação com alguns outros países latino-americanos o sistema bancário no Brasil tem certas vantagens. Temos um sistema financeiro misto, 50% estatal, 25% controlado por famílias brasileiras e 25% por bancos internacionais. Então e altamente diversificado. Segundo, a dívida interna está nas mãos de brasileiros. Sempre tivemos um sistema financeiro enraizado na sociedade brasileira.
Seria impossível fazer aqui o que foi feito na Argentina. O dólar nunca foi nossa moeda, ao contrário da Argentina. Ao longo de todo o período inflacionário nossa poupança se manteve em moeda local, porque tínhamos um sistema de indexação para ajustá-la. Nunca tivemos “currency board”. Eu mesmo tive uma tremenda discussão com o FMI na crise de 1999 [quando o custo do financiamento da dívida pública brasileira deu um pulo e o país acabou desvalorizando sua moeda]. [Stanley] Fischer, que hoje é presidente do Banco Central de Israel, disse: Vocês têm que fazer o que a Argentina fez. Nós resistimos. Nunca aceitamos amarrar nossa moeda ao dólar, porque sabíamos da importância de podermos desvalorizar nossa moeda, por causa das nossas exportações. Na Argentina, mesmo hoje, estão mandando dinheiro para o exterior. Não temos esse problema: temos um sistema financeiro muito forte e a poupança está em moeda nacional.
The Economist: Agora está entrando dinheiro e há o problema oposto: o real está incrivelmente forte.
Cardoso: É um problemão. Agora não temos alternativa a não ser aumentar a produtividade. Mas o problema com a produtividade agora não está dentro das empresas, está fora. É o governo; são as estradas; é a tributação. O que tem que ser feito é uma longa história, mas o governo precisa racionalizar fazer, algumas reformas. Algumas são muito difíceis de realizar – como a reforma tributária – mas são necessárias. Veja a carga tributária: subiu a mais de 36% do PIB. Nosso PIB hoje é mais de US$2 trilhões. Trinta e seis por cento de US$2 trilhões e muito dinheiro. Mas o governo está expandindo a burocracia; super-expandindo sem levar em conta a necessidade de renovar a infraestrutura e se concentrar na educação. A população vai reagir contra ainda mais aumento de impostos. Isto tem que forçar o governo a ser muito mais racional no uso desse dinheiro.
The Economist: Você vê algum sinal disso acontecer?
Cardoso: Não sei… Talvez por causa da presidente Dilma Rousseff. Ela é muito mais aberta para entender os números.
The Economist: Você tem uma relação muito interessante com a presidente. Vocês dois parecem ter criado um novo relacionamento entre ex-presidente e presidente.
Cardoso: Porque Lula perdeu a oportunidade de fazer isso. Eu tinha uma relação pessoal antiga com Lula. Fomos muito próximos. Ele passou férias na minha casa de praia com sua família. Mas não tivemos relação institucional, porque essa foi a decisão do PT. Mas isso foi por causa da política eleitoral. Dilma é diferente. Ela não tem ligação pessoal comigo, é um relacionamento muito mais superficial do que foi com Lula. Talvez ela ainda não se veja – pelo menos até agora – como candidata, de modo que ela não encara outras pessoas como inimigas. Não sei, mas ela tem sido sempre muito correta comigo.
Por coincidência, tive um sonho na noite passada, em que nós – Lula e eu – propúnhamos juntos um consenso nacional. [risos] É tão óbvio que o Brasil precisa se concentrar em algumas coisas fundamentais. Que fazer com a energia? Que fazer com a educação? Como criar melhores oportunidades para nossa infraestrutura, com o governo e o setor privado trabalhando juntos? Como chegar a um consenso sobre o meio ambiente? É tão óbvio. Essas não são questões partidárias, mas nacionais.
The Economist: Consenso nacional tende a acontecer em tempos de crise…
Cardoso: É por isso que não acontece. Por outro lado, há uma espécie de acordo não explícito. Quando Lula assumiu a presidência o mundo acreditou que ele destruiria tudo o que eu tinha feito. E ele não destruiu – sem ser explícito. Quando eu vivi no Chile [durante o período da ditadura militar no Brasil] os democratas cristãos e socialistas eram adversários, os socialistas muito mais à esquerda e os democratas cristãos muito mais conservadores. Depois eles convergiram para criar uma força unida, a Concertación. Nós não fizemos assim. Mas na prática estamos fazendo a mesma coisa, em alguma medida. O discurso eleitoral é diferente, claro, porque você tem que sinalizar que é diferente. Mas na prática não é – o que dificulta a oposição.
The Economist: Sobre o tema da oposição, vou dizer francamente que achei a campanha do PSDB para presidente em 2010 muito fraca. O partido vai ser mais combativo em 2014 e apresentar um candidato em torno do qual possa se unir? Ele tem uma estratégia clara? Ou vai apenas brigar internamente e rachar?
Cardoso: Na última campanha o PSDB teve equívocos enormes. No começo o favorito era nosso candidato (José Serra), disparado. E em vez de organizar alianças – porque é mais fácil criar alianças quando se está por cima, porque os partidos querem estar junto com o vencedor, como eu disse antes – nós não fizemos isso. Nosso candidato ficou isolado, até internamente.
The Economist: Ficou isolado ou isolou-se? Ele afastou os outros?
Cardoso: Sim. E isso foi muito ruim. E apesar disso, Dilma foi para o segundo turno. E Serra teve 44%.
The Economist: Só 44% contra alguém que nunca tinha sido cogitada para presidente antes…
Cardoso: Com Lula por trás. Seja como for, o que estou tentando dizer é que seria possível ganhar. Foi falha nossa.
The Economist: Com o mesmo candidato?
Cardoso: Bem… talvez não.
The Economist: Como o PSDB vai se unir ao redor de um candidato?
Cardoso: Tem que buscar a unidade interna. Eu diria que agora o PSDB está mais consciente da necessidade de se unir. Não é simples, porque o senso de coesão baseada em valores é menos forte que no passado. É mais uma questão de personalidades agora. E o mesmo se aplica ao outro lado. A última campanha deles foi nada, zero; as questões reais nunca foram levantadas. Foi um simulacro de campanha, com marqueteiros desempenhando o papel de atores principais, em vez de serem submetidos a alguma liderança.
Agora há vários pontos de interrogação. Qual será o papel de Lula? Eu diria que ninguém sabe, nem ele mesmo. Por causa da sua saúde [Lula tem câncer na garganta, com um bom prognóstico], mas não só por isso. Diria que normalmente Lula tentaria concorrer: e é um animal muito competitivo, um animal político. E provavelmente a presidente Dilma não tem respaldo interno [em seu partido e nos parceiros de coalizão]. Se ele também tiver a mesma aspiração – não tenho certeza – será difícil para ela. Uma coisa é concorrer com Lula, outra é concorrer com outra pessoa, mesmo a presidente Dilma.
No caso do PSDB, o ex-governador Serra desempenha o papel de Lula: ele tem fibra, gosta de competir. Não sei até que ponto ele estará mais convencido que não é a vez dele, para dar espaço a outros.
The Economist: Aécio pode ganhar?
Cardoso: Aécio é de uma cultura política brasileira mais tradicional, mais capaz de estabelecer alianças. Ele tem apoio em Minas Gerais [seu estado]. São Paulo não é assim, sempre se divide, é muito grande. As coisas vão ficar mais claras depois das eleições municipais [em outubro de 2012]. Provavelmente vamos ver uma forte luta interna no PSDB, entre Serra e Aécio.
The Economist: Geraldo Alckmin [atual governador de São Paulo e candidato presidencial do PSDB em 2006] também está no jogo?
Cardoso: Não, eu acho que não.
Tenho alguma responsabilidade no caso do PSDB. Para botar as cartas na mesa, meu sucessor natural morreu, um ex-governador de São Paulo, Mario Covas. Eu fui presidente por oito anos, fiz parte do governo antes disso, e estava com 71 anos. Já chegava. Decidi que era hora de abrir espaço para outros, não só por generosidade, mas também porque estava cansado de exercer a liderança política. E Covas morreu. Assim, nenhum líder inconteste me substituiu. Foi uma tensão permanente entre três ou quatro possíveis candidatos, e no fim Serra saiu candidato, mas sem convencer os outros que ele era realmente o homem. E agora de novo não está claro. No caso do PT foi diferente porque Lula nunca se afastou da luta, e impôs Dilma. Vamos precisar de algum tempo para reorganizar a hierarquia da liderança. E é muito tarde para mim – estou com 80 anos – para aspirar isso.
The Economist: Você ainda é uma das vozes mais importantes dentro do seu partido.
Cardoso: Certo, mas não por minha causa, e sim por falta de outros! Acho que isso é ruim para o Brasil. E o mesmo se aplica ao outro lado: é só Lula. Deixe-me dizer de modo impessoal: nos últimos 20 anos, só dois líderes. Não é saudável para um país, um país grande. Eu tomei minha decisão: abrir espaço. Esse espaço ainda está aberto.
Temos algumas pessoas de uma nova geração. Depois da minha geração há Serra e o ex-governador do Ceará, Tasso Jereissati. Depois vem Aécio; o governador do Pará, Simão Jatene; o governador de Goiás, Marconi Perillo. Olhando objetivamente, há outo governador, do Partido Socialista, Eduardo Campos, de Pernambuco, que poderia virar líder – ele tem algumas das características. Ele poderia ser capaz, mas ainda não. É uma possibilidade.
Então, há possibilidade. É uma questão de tempo. Provavelmente se Lula não se envolver – o mesmo vale para mim – seria melhor. Para deixar acontecer naturalmente.
The Economist: Desde que deixou a Presidência, você tem falado publicamente de vários assuntos delicados, notadamente a futilidade da guerra às drogas e a necessidade de tratar o abuso de drogas como um assunto de saúde pública, não criminal.
Cardoso: No meu livro mais recente, “A soma e o resto”, falo francamente sobre vários assuntos, sem levar em conta que sou um ex-professor de sociologia e ex-presidente. Falo como uma pessoa. É difícil, mas em todo caso eu tentei. Incluí o que eu penso sobre drogas. É hora daqueles que realizaram alguma coisa tomar a palavra, porque o que está minando o prestígio dos políticos na sociedade é que os políticos preferem não assumir posições. Porque causa problemas. Porque às vezes o custo de ser franco é muito alto.
No livro eu falo de coisas menos comuns, como a minha espiritualidade, por exemplo, porque nos bastidores as pessoas sempre discutiram até que ponto eu sou ou não uma pessoa de fé. Também sobre o que penso da abordagem tradicional da vida política: o sistema partidário. Ele está completamente ultrapassado com você tem novas formas de conexão, como a internet. Na minha cabeça não está claro o que pode ser feito pelas mídias sociais, internet, smartphones e assim por diante. Que eles podem mobilizar as pessoas está bem claro, estão fazendo isso. Mas, assim sendo, como se conectar com as instituições políticas? Creio que este é um ponto de interrogação para o mundo todo.

Entrevista de Fernando Henrique Cardoso, Ex- Presidente do Brasil, à revista The Economist On Line / dia 19/01/2012 / Tradução: Eduardo Graeff

domingo, 11 de março de 2012

"O governo Dilma Rousseff, afinal convencido de que o regime de previdência dos servidores públicos era absolutamente insustentável no médio e no longo prazos, decidiu mobilizar-se para mudá-lo, mostrando um entendimento que faltou ao governo Lula."


EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO

A sempre inteligente revista britânica The Economist, que já existia havia quase 30 anos quando Marcel Proust nasceu, acaba de criar, exatos 90 anos após a morte do grande escritor, um "índice Proust", que procura medir o "tempo perdido", ou melhor, a extensão do retrocesso (em anos) causado pela grave crise econômica, financeira e fiscal que há quase meia década assola o mundo desenvolvido.
A medida até agora mais simples desse retrocesso já era preocupante: dos 34 países mais "desenvolvidos", 28 não haviam alcançado, em 2011, o nível de produto per capita que tinham em 2007. A revista The Economist utiliza mais seis indicadores, além do produto interno bruto (PIB): consumo privado, desemprego, salário real, preços de ativos financeiros, preços de habitação e riqueza familiar. Uma média de retrocessos - tempo perdido em anos - em cada uma das três categorias em que estão agrupados esses indicadores produz o "índice Proust".
Alguns dos resultados: para a Grécia o relógio teria sido atrasado 12 anos. Irlanda, Itália, Portugal e Espanha teriam "perdido" sete anos ou mais. A Inglaterra, oito. Os Estados Unidos, epicentro do abalo sísmico que afetou a economia mundial, estariam, na média dos indicadores acima, com um atraso de dez anos. A revista não apresenta índices de Proust para países "em desenvolvimento". Mas é sabido que, dentre os 150 membros desse grupo, cerca de 33 teriam, em 2011, renda per capita inferior à que tinham em 2007.
Isso não significa, de forma alguma, nenhuma projeção para os anos à frente que seriam necessários para recuperar os anos "perdidos". É sabido que médias desse tipo podem encobrir tanto (ou mais) do que revelam. E que alguns dos indicadores do índice acima podem mudar muito mais rapidamente que outros, como, por exemplo, preços de ativos, após longos períodos de declínio. O fato é que, em definitivo, não era uma "marolinha", como se disse por aqui.
Os países de alta renda, cujas dificuldades têm consequências de ordem sistêmica, em seu conjunto, deverão crescer menos de 2% entre 2007 e 2012, enquanto no mesmo período a China, a Índia e o Brasil deverão crescer - e por motivos distintos - cerca de, respectivamente, 56%, 43% e 21%. Fica cada vez mais claro que esta crise está levando a uma mudança estrutural na composição da demanda e da oferta globais. E exigindo, de todos os países, respostas adequadas em termos de políticas domésticas - para além da área econômica.
Não é apenas o mundo desenvolvido que precisa lançar-se numa proustiana busca do tempo perdido para "recuperá-lo" - por meio de uma melhor memória de seu passado, base para uma visão de seu futuro. Permito-me ilustrar o ponto acima reproduzindo um texto recente: "Os principais obstáculos do rápido desenvolvimento econômico são internos, e não externos. Entre as restrições óbvias estão falhas de governança, gastos desnecessários com subsídios (...), um histórico terrível em termos de educação e saúde para a maioria da população, leis trabalhistas rígidas, infraestrutura inadequada e restrições ao uso eficiente da terra".
Como diria o grande Ancelmo Gois, "deve ser duro viver em um país assim". Apesar de soar muito familiar, a observação vem de um livro recém-lançado, com o título A Índia após a Crise Mundial, de Shankar Acharya, ex-assessor econômico do chefe de Governo indiano. O que sugere que, mesmo para um país que deve crescer mais que o dobro do Brasil entre 2007 e 2012, existe uma enorme necessidade de "buscar o tempo perdido". Até porque as deficiências mencionadas acima constituem oportunidades de investimento e apontam para a necessidade de continuidade no processo de reformas que permitiram o enorme progresso daquele país.
A grande lição não deveria passar despercebida por nós, brasileiros. E talvez não esteja. Em meu artigo neste espaço no segundo domingo do mês passado (Vivendo e aprendendo), mencionei que os leilões de concessão ao setor privado dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília vinham com um atraso de muitos anos, mas representavam, afinal, uma vitória do pragmatismo sobre a ideologia. Uma busca do tempo perdido para recuperá-lo - pensando no futuro.
Pois bem, nas últimas semanas tivemos outro exemplo: com 14 anos de atraso (tempo perdido) os fatos e os argumentos acabaram prevalecendo sobre a ideologia e o corporativismo. O governo Dilma Rousseff, afinal convencido de que o regime de previdência dos servidores públicos era absolutamente insustentável no médio e no longo prazos, decidiu mobilizar-se para mudá-lo, mostrando um entendimento que faltou ao governo Lula.
Existem muitos outros avanços possíveis e necessários exatamente agora que fica cada vez mais claro que o crescimento econômico sustentado a taxas superiores a 4% ao ano exige uma taxa de investimento privado mais elevada, especialmente em infraestrutura. Há que ampliar o regime de concessões (já que o lulopetismo não pode ouvir falar em privatizações) nessas áreas. E isso é urgente.
A ideia de que o problema fundamental do crescimento brasileiro é reduzir juros e desvalorizar o câmbio ainda é muito arraigada entre nós - assim como a suposição equivocada de que o governo pode colocar as taxas reais de juros e câmbio onde quiser. Menos arraigada entre nós é a necessidade de entender por que certos países foram e outros estão sendo bem-sucedidos no presente, como os asiáticos. Estes construíram um complexo e eficiente sistema educacional e uma invejável estrutura logística de transportes, cadeias de suprimentos e mecanismos pragmáticos de cooperação regional, sem perder de vista a sua integração com o resto do mundo.
É muito importante extrair dessas experiências - nada ideológicas - as lições corretas para o nosso futuro.    

O ESTADO DE SÃO PAULO / OPINIÃO / ESPAÇO ABERTO / EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO / PEDRO S. MALAN /11.03.2012