terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O RELEVANTE É A DIFERENÇA

Serafim Correa Serafim Corrêa

Ao longo da vida sempre tive posições bem claras sobre os mais variados assuntos. Por certo, como todo mortal, às vezes, estava certo, e outras, equivocado. Pelas minhas posições sempre paguei os preços correspondentes, principalmente, quando elas eram impopulares. Nunca fui adepto de deixar de tomar uma posição em troca do aplauso fácil, do faz de conta, do “agarol” como se diz no popular.

Dito isto, abordo a questão do aumento do IPTU proposto pelo Prefeito à Câmara e por ela aprovado.

Inicialmente volto a máquina do tempo ao ano de 2006. Naquela altura eu era o Prefeito, enfrentava a falta de recursos e constatou-se  que Manaus era a capital que tinha a menor arrecadação de IPTU proporcionalmente falando. Curitiba, cidade que vem logo abaixo de Manaus em população, arrecadava com IPTU seis vezes mais do que nós. Hoje é mais ou menos assim: Manaus arrecada anualmente R$ 50 milhões, o que não cobre nem ao menos as despesas da Câmara Municipal, que são de R$ 80 milhões anuais e Curitiba arrecada R$ 300 milhões, o que paga o equivalente a 60% das despesas da saúde da capital paranaense.

Nesse contexto tomei a decisão de rever a Planta de Valores da cidade, o que, por óbvio, resultaria em aumento do IPTU. No entanto, dentro do princípio da capacidade contributiva, foram adotados critérios objetivando Justiça Fiscal que podem ser resumidos no seguinte:

- Quem não podia pagar, ficaria isento, e com isso 140.000 contribuintes de baixo poder contributivo ficaram isentos;

- Quem podia pagar menos, continuaria pagando basicamente o mesmo;

- Quem podia pagar mais, pagaria mais;

- Quem tinha terrenos e estava especulando, pagaria pela especulação.

Foram longas e intermináveis discussões, internas e externas, para depois encaminhar o projeto à Câmara, que o aprovou e eu sancionei. Disso resultou a Lei nº 1.091/2006.

A partir daí o mundo desabou em cima de mim. A mídia partiu para cima. Editoriais, matérias, opiniões contrárias, nem sempre me dando, ao menos, o direito de contraponto.

Até tradicionais devedores de IPTU como o atual Prefeito Amazonino Mendes desmascarado no último debate de 2004 tornou-se arauto da diminuição da carga tributária. Aliás, vivi naqueles dias uma situação inusitada. Um grande proprietário de terras de nossa cidade que segundo os dados da SEMEF não pagava IPTU há 25 anos abordou-me em um evento para dizer que eu estava errado. Não me contive e disse-lhe que para ele o aumento não deveria fazer qualquer diferença, pois ele não pagava mesmo. Ele ficou branco e desde esse dia passou a me evitar.

O Ministério Público, a OAB-AM e alguns vereadores entraram na Justiça com a arguição de que o aumento era inconstitucional. E isso aumentou a campanha da mídia.
No meio disso tudo foi feita uma pesquisa qualitativa com grupos para avaliar como a opinião pública encarava o aumento. No grupo de contribuintes que antes pagavam e que receberam o carnê informando que estavam isentos, o resultado foi que TODOS eram contra as mudanças. Ou seja, os beneficiários da lei eram contra. Perguntados por que eram contra, já que estavam isentos, a resposta foi: “…mas a rádio tá dizendo que aumentou muito.”.

Óbvio que havíamos perdido a guerra da comunicação, pois até os beneficiários da lei eram contra.

Na sequência, o Tribunal de Justiça decidiu pela inconstitucionalidade do aumento. Embora pudesse continuar discutindo judicialmente e cobrando, preferi recuar. Não seria sensato prosseguir no embate, apesar de estar convencido que estava fazendo o que deveria ser feito. Também por isso paguei novos preços.

Voltemos agora a 2011.

O Prefeito Amazonino Mendes, o mesmo que não pagou o IPTU, e que em três anos de administração (2009/2011) dispôs de mais de DOIS BILHÕES E QUINHENTOS MILHÕES DE REAIS do que a minha administração nos três primeiros anos (2005/2007), copiou literalmente o texto da Lei nº 1.091/2006 (a lei da minha época que alterava a base de cálculo do IPTU), fez pequenas alterações nos Anexos e enviou projeto à Câmara Municipal para aumentar o IPTU, alterando não apenas a Planta de Valores, mas criando novas alíquotas. E o que é pior, cobrando daqueles que pela lei anterior ficaram isentos. Os 140.000 proprietários de baixo poder contributivo agora vão pagar.

Não estou nem um pouco preocupado se a posição da mídia e das instituições como MP e OAB-AM será a mesma adotada quando da minha administração. Isso é irrelevante. O relevante, o que importa, é comparar as duas propostas e marcar as diferenças.

A nossa tinha uma lógica, a dele tem outra. A nossa liberou 140.000 pequenos proprietários de pagar o IPTU. A dele passa a cobrar desses que possuem baixa capacidade de contribuir. A nossa tratava desigualmente os desiguais. A dele trata igualmente os desiguais. A nossa buscava a Justiça Fiscal, a dele consagra a injustiça. A nossa cobrava menos de quem podia menos e mais de quem podia mais. A dele cobra mais de todos, sem considerar a capacidade de contribuir de cada um.

Que bom que ele saiu da toca e escreveu num projeto de lei o que pensa sobre IPTU, pois só assim é possível estabelecermos a comparação e o povo avaliar o que é melhor e o que é pior; o que é coerente e o que é incoerente.

2012 será o ano de grandes debates sobre os temas da cidade. A fonte de recursos para o custeio da máquina, onde se inclui o IPTU, será um deles. Aprofundar esse debate vai fazer bem a democracia e permitir ao povo escolher a proposta que achar mais coerente.
Vamos em frente.

* Serafim Corrêa é economista, advogado e ex-prefeito de Manaus.