quarta-feira, 14 de março de 2012

Poucas pessoas sabem, porém, fizemos parte de uma equipe do CEBRAE (sim, com C ainda) NACIONAL, no Rio de Janeiro, lá nos anos 70, que "brigava" com as grandes instituições de crédito para que criassem linhas específicas para as microempresas. Lembro que, como Coordenador Nacional do Programa de Microempresas - PROMICRO, viajávamos por todo o Brasil, discutindo com os Governos Estaduais e Presidentes de Bancos Oficiais, dentre os quais os bancos federais, do Nordeste, da Amazônia e o BRDE, no sul, apresentando o projeto e as experiências que o CEBRAE vinha estimulando de norte a sul do país. Até então o BNDE (sem o S ainda), o Banco do Brasil, a CEF, o IPEA e a ABDE eram contra a criação de tais linhas, cujos riscos julgavam imponderáveis, fazendo as exigências tradicionais como comprovação de experiência da empresa, tempo de existência, experiência em tomar crédito, juros mais altos em função do temido “risco creditício”, garantias reais, avalistas, pouco prazo para pagamento, a despeito das pesquisas que lhes apresentávamos sobre os pequenos empresários mostrarem ser eles mais adimplentes; que as exigências bancárias eram impossíveis de serem atendidas por essa camada de potenciais tomadores; que a produção poderia servir de garantia, etc. Naquela altura, no Nordeste, a UNO – União Nordestina de Assistência a Pequenas Organizações, em Recife, Pernambuco, desde 1972 desempenhava uma experiência exitosa com “crédito orientado” para as pequeníssimas organizações. Lembro-me até hoje, do seu Gerente, Maurício Camurça, que cuidava com muito carinho de sua experiência pioneira e temia pelo insucesso se aumentássemos a escala do Programa para o nível nacional. Foi com muito esforço e dedicação que o CEBRAE NACIONAL e os CEAGs do Ceará e do Rio Grande do Sul, com base na experiência embrionária da UNO, desenvolveu a metodologia CEBRAE para o Programa de Assistência às Microempresas – PROMICRO. O PROMICRO, dentre outras consequências paralelas, serviu para promover a mudança do nome do CEBRAE, o qual continha a expressão PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS, para centrar no foco das MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, passando-se a ser denominado de CENTRO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, em vez de Centro Brasileiro de Apoio às Pequenas e Médias Empresas. O nosso entusiasmo com o PROMICRO era tão intenso que os demais técnicos do CEBRAE nos chamavam, de forma carinhosa, de “microtécnicos” e isso não nos incomodava. Hoje, praticamente não existem as barreiras daqueles anos, criadas pela hierarquia dos problemas mais importantes do país, estabelecida pelo seu estágio de desenvolvimento, que se impunha ao pensamento dos formuladores de políticas econômicas. Os tempos são outros. Nem por isso, devemos deixar de prestar homenagem às pessoas que conosco plantaram as primeiras sementes do Microcrédito no Brasil, cuja história muita gente faz questão de distorcer. Naquele período da história, foram visionários e entusiastas alguns executivos, como Valternonem Coelho dos Santos, Presidente do CEBRAE; Amaro Ferreira de Oliveira, Diretor Administrativo do CEBRAE; Afonso Cozzi, Ditetor Técnico do CEBRAE; Ary Burguer, Presidente do BRDE; José Ferrer, Coordenador do Programa PIPMO, do Ministério do Trabalho; Américo Fortes, Diretor Executivo do NAE/CEAG/CE, dentre outros. São inúmeros os heróis anônimos dessa empreitada, que se espalhavam por todo o país, numa marcha “doutrinadora” sobre a importância do crédito para o surgimento, desenvolvimento e crescimento do empreendedorismo no Brasil. Lembro de alguns desses “microtécnicos”, sem querer fazer injustiça com nenhum desses “heróis anônimos” que a memória não me permite lembrar: José Ramalho, Consultor do NAE/CEAG-CE; Hamilton Mancuso, CEAG/RS; Ary Schneider, CEAG/RS; e muitos outros espalhados Brasil a fora. Hoje, é com muita alegria que leio um dos maiores economistas brasileiros, guru de vários de nós economistas, DELFIM NETTO, se debruçando sobre o tema Microcrédito, reescrevendo, exatamente a mesma coisa que defendíamos há quase quatro (04) décadas atrás, sem, contudo, deixar de relembrar o velho chavão aconselhador usado na época, de adoção de medidas “cuidadosas e seguras” para o microcrédito, “com taxas de juros mais acessíveis e menor burocracia...”

MICROCRÉDITO
Antônio Delfim Netto


Talvez um dos fatos importantes a respeito da sociedade brasileira seja a afirmação de "identidade" de um enorme contingente populacional que gosta de imaginar-se como "classe média".

Isso, obviamente, não é acidente nem produto espontâneo. É consequência de um processo civilizatório recente em que as políticas sociais sujeitas a algumas condicionalidades foram mais bem focadas. 

Paralelamente, houve uma "inclusão" desses cidadãos na economia de "mercado" devido ao forte aumento das oportunidades de emprego e ao acesso ao crédito.

Uma das características mais marcantes desses novos cidadãos é a "internalização" de que o fator mais importante para "subir na vida" é a conquista da educação para si e para seus filhos, ainda que lhes custe enormes sacrifícios.

Só não percebe essa ascensão social quem sofre de miopia. É tal ascensão que vai continuar a permitir a construção de um mercado interno capaz de garantir o mínimo de economicidade e "incluir" o Brasil, de forma adequada e relativamente segura, na globalização avassaladora que fragmentou o processo produtivo.

Esses fatos são visíveis na recente pesquisa feita pela Fondapol (Fondation pour l'Innovation Politique), em meados de 2011, com jovens de 25 países, em que se perguntou: 1º) Você acha seu futuro promissor ("prometteur")?; 2º) Você acha o futuro do seu país promissor?

À primeira pergunta 87% dos jovens brasileiros responderam afirmativamente, e à segunda, 72%. Isso contrasta com os EUA, onde à primeira pergunta 81% responderam afirmativamente, mas à segunda, apenas 37%. O curioso é que na China a coisa se inverte: 73% creem que têm futuro promissor, mas 82% creem no futuro promissor do seu país.

O governo decidiu estimular o Banco do Brasil - agora proprietário do Banco Postal - e a Caixa Econômica Federal - que controla as "lotéricas" - a expandirem cuidadosa e seguramente o microcrédito, com taxas de juros mais acessíveis e menor burocracia, o que deve aumentar a "inclusão" social. 

É importante dizer que, para fazê-lo, não se cogita subsídio do Tesouro ou violação das garantias exigidas pelo Banco Central, mas, sim, redução da distância entre os bancos e o tomador de crédito, diminuindo o evidente constrangimento dos mais pobres de acessarem os bancos.

Isso vai ser feito aproveitando a "imagem" e a reputação secular do BB e da CEF - que, para os mais simples, significam segurança absoluta. A economia de escala deve tornar os seus "spreads" mais atrativos do que os dos bancos privados que só agora começam a "descobrir" os potenciais novos clientes e vão ter que disputá-los. 

FOLHA DE SÃO PAULO / OPINIÃO / 
ANTONIO DELFIM NETTO / MICROCRÉDITO / 14.03.2012.

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