sábado, 28 de janeiro de 2012

COLUNA DO ARTHUR NETO


MUNDO DIFÍCIL

Lisboa – O ministro Guido Mantega, que deverá deixar o governo por razões familiares, apostava, no início de 2011, que o crescimento seria entre 4,5% e 5%. Sempre acreditei em algo próximo de 3% e, oficiosamente, já sabe que o número mais provável é 2,87%, contra inflação, elevada e maquiada, de 6,5%.

Para 2012, novamente a previsão do governo é de pelo menos 4,5%, com inflação no centro da meta (4,5%). Infelizmente, errarão de novo, pois o mercado já trabalha com crescimento de 3,2%, contra inflação superior a 5,5%, ou seja, de novo bem acima da meta estabelecida pelo Banco Central. O FMI afirma que cresceremos 3%, enquanto a média do mundo (e olhem que temos a economia americana ainda em dificuldades e a Europa em convulsão) atingirá 3,3% e os países em desenvolvimento, também na média, chegarão a 5,4%.

Tivemos, em 2011, o maior déficit em transações correntes de nossa história econômica: US$52,612 bilhões, com previsão de algo em torno de US$66 bilhões para 2012. Esses buracos são cobertos pelos dólares que nos procuram atrás dos juros elevados e que, se nos deixassem de uma hora para outra, por injunções de política econômica internacional, causariam tragédia em nosso país.

O bom senso manda observarmos com atenção dois pontos nevrálgicos dos tempos correntes: a crise europeia, que se não for enfrentada com firmeza poderá levar o mundo a outro momento de recessão (e ela não está sendo enfrentada com firmeza) e a crise decorrente do programa nuclear iraniano, que visivelmente pretende construir artefatos nucleares. A deterioração de qualquer das duas situações representará graves dificuldades para o mundo. A deterioração das duas, então, significaria a explosão dos preços do petróleo, mais inflação e menor crescimento para todos.

A situação é delicada e triunfalismos e otimismos demagógicos deveriam sair de cena, em nome da tranquilidade futura (de curto prazo inclusive) do país.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

COLUNA DO ARTHUR NETO



 Este será, provavelmente, o artigo mais singelo de minha série, neste Blog. Falarei diretamente a adversários políticos meus, que criticam o que escrevo, muitas vezes me oferecem dados que levam à reflexão, que se dispõem à luta política por um Brasil mais digno e justo.
Óbvio que não me refiro aos indigentes intelectuais que me agridem sistematicamente e, pior do que isso, ferem, sem piedade, o vernáculo. Esses não merecem atenção. Devem estar a soldo de interesses escusos. Ou são opacos demais para travar debate sobre tema qualquer com quem quer que seja.
Não faço parte do grupo de pessoas que não enxerga seriedade em nenhum petista. Tenho amigos no PT, com a mesma legitimidade com que me julgo no dever de cobrar punição para mensaleiros e corruptos em geral.
Não sou sectário, enfim. Adversário, para mim, é adversário e não inimigo. Não alimento rancores pessoais, porque meu objetivo é travar a luta política com a força das idéias. Deploro, sinceramente, os rumos maniqueístas que a vida pública brasileira vai tomando.
Em poucas palavras: distingo o insultador profissional das pessoas que de mim divergem de modo claro e lúcido. Não precisam usar punhos de renda. Podem ser duros à vontade, porque a crítica não me amofina nem me indispõe contra ninguém.
É, pois, aos adversários de compostura e decência que me dirijo: é correta a nomeação da Sra. Graça Foster para presidir a Petrobras, sabendo-se que seu marido, Sr. Colin Foster mantém 43 contratos com essa estatal, sendo 20 deles sem licitação? Foi, aliás, correta, sua indicação para uma diretoria da empresa, em 2007, quando o Sr. Foster com ela (a empresa) já mantinha laços comerciais?
Registre-se, a bem da verdade, que foi justamente a partir de 2007 que os negócios do Sr. Foster começaram a prosperar na Petrobras, coincidindo, pelo menos no calendário, com a chegada de sua esposa a um posto de diretoria.
Longe de mim considerar que Sergio Gabrielli é, em alguma coisa, melhor do que sua sucessora. Politiqueiro, sempre foi mais militante do PT do que técnico ou administrador.
Gostaria de estar perguntando à Sra. Graça Foster sua opinião sobre a partilha de royalties petrolíferos. Ou sobre a política de preços da gasolina, que inviabiliza o etanol, logo agora que as barreiras americanas a esse produto – muito nosso – acabaram de ruir. 
Tenho como “começar do começo”: meus adversários racionais e bem intencionados, em sã consciência, podem dizer que a presidente Dilma Rousseff agiu com espírito público e sem estar diante de brutal conflito de interesses? 
Sejam sinceros. Ficarei muito feliz se for assim.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ANTONIO DELFIM NETTO

CAPITALISMO
Diante da enorme confusão sobre o diagnóstico e os tratamentos que devem ser aplicados para que sobreviva a União Europeia e sua moeda única, o euro, é importante reafirmar que a economia política, uma acumulação de conhecimentos que a história mostra, é indispensável à boa administração privada e à boa governança pública.

Ela não deve ser identificada com a fracassada engenharia financeira, que somou físicos de pouco sucesso na sua profissão a economistas mal preparados com inveja do "sucesso" da física.

A crise de 2007-09 tem pouco a ver com as flutuações ínsitas no próprio funcionamento da economia de mercado. Ela foi produto do eterno destempero do sistema financeiro quando não sujeito à mais estrita regulação. Mas não poderia ter amadurecido a não ser com a conivência dos Estados submetidos ao seu crescente poder.

O drama da eurolândia também não tem nada a ver com as crises periódicas que são um dos inconvenientes da economia de mercado. A explosão do Lehman Brothers colocou à luz do sol as patifarias do setor financeiro privado dos EUA e, logo em seguida, as velhacarias do setor público de alguns países da eurolândia que só foram possíveis com a conivência das agências de "risco".

Isso nada tem a ver com a economia que usa os mercados cujo codinome é "capitalismo" para alocar os seus recursos na produção dos bens desejados pela sociedade.

Esse foi o sistema encontrado pelo homem na sua busca de métodos mais eficientes para suprir as suas necessidades e que fossem compatíveis com sua liberdade de iniciativa.

É apenas um processo histórico apoiado em inovações tecnológicas que vai se reconstruindo a cada crise, das quais sai sempre renovado na direção da maior eficiência produtiva e na ampliação da liberdade individual. Não é eterno e tem defeitos que talvez possam ser amenizados pela ação da própria sociedade organizada no Estado.

A China é um exemplo de como regimes politicamente fechados podem usar o mercado como instrumento para aumentar a eficiência produtiva e explorar os benefícios de liberdade de iniciativa (ainda que controlada) dos cidadãos.

A revolução tecnológica da informação, que apenas estamos começando a viver, é um novo ciclo de expansão da economia de mercado. A globalização adquire novos contornos e as relações sociais (principalmente o trabalho) vão sofrer mudanças profundas. Mais uma vez, um aperfeiçoamento na direção da redução do tempo para a sobrevivência material e um enorme passo na direção da construção da humanidade do homem.

Folha de São Paulo / Opinião / Quarta-feira, Janeiro 25, 2012 / Antônio Delfim Neto, Economista, ex-Ministro da Fazenda no período 1967-1974; ex-Ministro do Planejamento no período de 19879-1985; ex-Ministro da Agricultura em 1979; ex-Deputado Federal por São Paulo por cinco mandatos consecutivos; Professor Emérito da Faculdade de Economia e Administração da USP, Titular da cadeira de Análise Mascroeconômnica 



COLUNA DO ARTHUR


MANAUS DA MINHA INFÂNCIA

Lisboa – A Manaus da minha infância era muito pequena. Acolhedora, segura, as pessoas ficavam de noite conversando nas calçadas, à bordo de suas cadeiras de balanço. Muito calor. Não havia ar condicionado. As famílias dormiam de janelas abertas.

Mas a cidade era mesmo pequena. Todo mundo se conhecia. As distâncias se equivaliam a distância nenhuma.

Aprendi a nadar, pelos braços fortes de meu pai, nas águas do Mindú. Águas puras, límpidas, que a especulação imobiliária, misturada com a falta de prefeitos de pulso, estragou. Os igarapés, tantos!, eram todos assim. As crianças se esbaldavam. A água gelada combinava bem com o sol abrasivo da minha terra.

"Matei" aulas para ir nadar nos Educandos, junto com meus colegas de então. Irritávamos os donos das pequenas embarcações, pegando carona nas "defensas". Lá vinham eles com cinturões, tentando atingir-nos nas mãos: "moleques endiabrados, vocês merecem apanhar muito!".

Minha tia Finoca era dona de um balneário, que chamávamos de "banho", ali para as bandas da Chapada. Ela e o tio Zé Jorge.

Minha mãe, meu pai e os quatro filhos morávamos na Eduardo Ribeiro, ao lado do Ideal Clube. Hoje, qualquer rapaz – ou moça – é capaz de ir correndo dali até a Chapada. Pois na minha infância, parecia uma travessia de oceano. Aos sábados, se nos tivéssemos comportado bem durante a semana e se nenhuma tivéssemos aprontado na aula de catecismo da Igreja de São Sebastião, conquistávamos a autorização para ir com tia Finoca para o "banho" dela, o Castrolândia. Íamos no sábado de manhã, após o catecismo, e retornávamos no domingo, antes de escurecer. Quando havia feriadão, melhor ainda. Nas férias, o máximo dos máximos.

No Castrolândia, nadávamos, jogávamos vôlei, comíamos um peixe enterrado em folha de bananeira que o sol cozinhava. Conversávamos fiado, ríamos muito.

A tia amava – e nós também – seus dois cachorros, a Ronda e o Piloto, ambos perdigueiros. Ronda, reservada e amiga. Piloto, espalhafatoso e amigo também.

Era um grande passeio da cidade ir aos "banhos" nos fins de semana. A cara daquela Manaus que levaram embora e nunca mais me devolveram. Nem a mim nem a ninguém que a ame de verdade.

Tia Finoca era um anjo de pessoa. Ingênua, cheia de boa fé. Acreditava em tudo e em todos. Um dia, apareceu no Castrolândia, convidado sei lá por quem, um jovem carioca que queria mesmo era vender títulos de um suposto clube, "em construção", na erma Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro daqueles tempos. Apesar de menino, chamei-a num canto e lhe disse: "tia, você não conhece esse cara. Tem toda a pinta de enganação". Ao que ela me respondeu: "mas meu filho, ele é do Rio, da capital da República". Tanto insisti que ela, um tanto contrariada, acabou não comprando o tal título.

Com o crescimento desordenado e vertiginoso da cidade, multiplicaram-se as mazelas. Favelas, miséria, criminalidade, prostituição, habitações infranormais. A cordialidade começou a ceder terreno para a selvageria. O êxodo do interior, na direção de Manaus, transferia pessoas que poderiam ser felizes em seus locais de origem e, muitas vezes, viam todo o seu mundo se desintegrar: perdiam a autoestima, seus filhos pegavam descaminhos, o olhar tristonho substituía a paz própria de quem conhece a mata, domina o rio, convive com os animais e pesca como ninguém. Perdiam a lua, o poente que lhes poetizava o cotidiano, a sensação de mistério que a floresta passa.

Fui para o Rio. Voltava a Manaus nas férias. Numa dessas viagens, tia Finoca, uma das pessoas que mais amei em minha vida, me segredou, do alto de sua pureza e ingenuidade: "meu filho, Manaus está virando uma metrópole. Já tem cada crime horrível". Para ela e para muitas pessoas de sua geração, crime também era sinal de progresso. E olhem que não estou pregando que o homem do interior "seja feliz" sem estudar, sem cuidados de saúde, sem possibilidades de abrir caminhos para os seus filhos. Nunca! Sou contra é jogá-lo na cidade grande sem nenhum cuidado e dele fazer mera estatística de boletins de ocorrência dos Distritos Policiais. Jamais preguei que Manaus não crescesse, pois isso equivaleria a pedir aos meus filhos e netos que permanecessem eternamente crianças, para meu puro, simples e egoísta deleite. Jamais! Sou contrário é ao crescimento desatinado, que amesquinha a vida das pessoas e dá até aos mais ricos a falsa sensação de que vivem bem.

Mas se tia Finoca tivesse razão, o progresso estaria estampado, então e também, na poluição dos igarapés. Águas pútridas como sinônimo de prosperidade. Que tal? Esgotos a céu aberto como exemplo de avanço econômico. Afinal, há quem enriqueça com isso, embora a grande maioria das pessoas permaneça pobre, muitas delas perto da miserabilidade, sem futuro, roubadas no seu passado e donas apenas de um presente amargo.

Metrópoles de crimes horrendos e igarapés mal cheirosos não servem de modelo para a Manaus que amo de paixão. Tenho saudades da cidade íntima, de "muro baixo", da minha infância. Não a quereria eternamente assim, todavia. Sonhava com o equilíbrio. Osaka resgatou suas águas. Logo, o sonho é realizável.

Crescer é preciso. Gerar infelicidade social não é preciso.

Pelo menos vou morrer acreditando que pode e deve ser assim.


domingo, 22 de janeiro de 2012

COLUNA DO ARTHUR NETO


Z F M É O FOCO

Lisboa – Este ano precisa ser o tempo da repactuação do modelo Zona Franca de Manaus, envolvendo governos, parlamentares, empresários, trabalhadores, comunidade científica. Não nos iludamos com prorrogações “solteiras”, porque a curva do Polo Industrial é descendente e, se nada fizermos, será tarde demais quando isso se tornar perceptível a olho nu.

Conclamo as lideranças amazonenses, políticas ou não, à mais absoluta sinceridade. O panglossianismo não cabe. Nada de ver com olhos de falso otimismo um quadro que é de crise em aproximação.

Perdemos muito em 2011. Os tablets são o exemplo mais eloquente de como a ZFM deixou de ser prioridade para o governo federal. Passou a ser, aliás, cogitação abaixo de secundária.

Uma liderança se iludir é grave, mas pelo menos não é doloso; é culposo. Uma liderança intuir o que está em vias de acontecer e aparentar normalidade, com declarações vazias, não é culposo; é doloso.

Não me comovem os números desse presente-passado. Preocupa-me o presente-futuro, que não é auspicioso nem um pouco.

Deixam-nos com a perspectiva das tecnologias que caducarão. Legam-nos o que está envelhecendo ou envelhecerá, inexoravelmente. Tiram-nos as inovações, roubam-nos o que dá futuro, furtam-nos o próprio futuro.

Seria cômico, se não fosse trágico, dizerem que certas empresas não se dirigem a Manaus, entre outros pontos, porque nossa infraestrutura está falida. Como então não devolver com a pergunta: por que não priorizaram a revitalização dessa mesma infraestrutura? Pretendem mais meio século de poder para realizar tal “proeza”?

A verdade é que a ZFM deixou mesmo de ser prioridade. A Suframa virou mero prédio que mal tem recursos para pagar água, luz e telefone. Deixou de investir em obras infraestruturantes na Amazônia Ocidental, mais Amapá, há 10 anos. Com isso, afastam-nos de aliados potenciais, tentam condenar-nos a certa solidão política. Que interesse, afinal, haveriam de ter Acre, Rondônia, Roraima e Amapá em defender um modelo que parou de investir em seus destinos.

Vejo um brutal círculo vicioso diante de nós. Como se fosse um cerco e alguns desavisados ainda espairecessem porque dentro da “Fortaleza” restassem alimentos, água e munição para alguns dias de resistência.

Prefiro advertir do que iludir ou mentir. Gostaria muito de estar errado, porém, a cada momento, convenço-me do contrário. Vejo mentes alienadas revivendo os “coronéis” da borracha. “Coronéis” eletrônicos, que se mostram incapazes de olhar com clareza os momentos difíceis que o horizonte aponta.

Peço com muita humildade: não deixemos passar em branco este 2012. Ele pode ser decisivo para o futuro do nosso estado, que não preparou nenhuma alternativa ao parque industrial nascido a partir do Decreto 288.

O foco da responsabilidade tem de ser a salvação da Zona Franca. É a tarefa mais nobre que temos pela frente.