A INVENÇÃO DA DEMOCRACIA
SÃO PAULO - Já que estão
tirando tudo dos gregos, dou minha contribuição à pilhagem, roubando-lhes os
direitos autorais sobre a democracia.
Desde criancinhas, aprendemos que
foram os gregos, mais especificamente os atenienses do século 5º a.C., que inventaram e implementaram
o sistema pelo qual o povo governa a si mesmo. O problema é que essa ideia é
falsa. Trata-se de um mito forjado no século 19 e que perdura até hoje, apesar
do acúmulo de evidências em contrário.
Como mostra John Keane no
instigante "Vida e Morte da Democracia", a palavra
"democracia" e práticas a ela relacionadas já circulavam pelo mundo
grego desde o final da Idade do Bronze (c. 1.500-1.200 a.C.).
Suas raízes remontam a inscrições
conhecidas como Linear B, do período micênico, nas quais aparece o termo
"damokoi", para designar funcionários que agiam em nome do
"damos", isto é, do povo. Pelo menos a metade das cerca de 200
cidades-Estado gregas experimentou a democracia, muitas delas antes da Atenas
do século de ouro.
Keane vai mais longe e oferece
farta documentação de que o elemento central da democracia, as assembleias
populares autônomas, surgiram ainda antes no Oriente, em territórios que hoje
correspondem a Irã, Iraque e Síria -sim, a história pode ser profundamente
irônica.
De lá, ela se espalhou para todos
os lados, como forma eficaz de combate contra a tirania. A leste, chegou até o
subcontinente indiano. Por volta de 1.500 a.C., no início do período védico,
repúblicas dirigidas por assembleias eram comuns. A oeste, o costume do autogoverno
atingiu as cidades fenícias de Biblos e Sidon, de onde ganhou a civilização
grega.
Essas descobertas implicam que
ciclos de nascimento e morte da democracia são bem mais comuns do que pensamos.
Num mundo em que até o passado é incerto, devemos nos acautelar contra o
excesso de otimismo com o futuro.
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