O respeitável Jornal Estado de S. Paulo, em sua
página de Opinião, com o Editorial UMA ZONA RISONHA E FRANCA, deixa-se levar
pelo paulistanocentrismo e nos ataca com um título debochado e despreocupado em aprofundar estudos sobre os resultados, as dificuldades e os óbices que o
modelo Zona Franca sofreu ao longo de sua existência, inclusive por “sabotagens políticas” dos paulistanos e
outras plagas do Sul Maravilha.
O Editorial foca superficialmente pontos importantes,
em especial aspectos de gestão, sem abordar, contudo, outros que são muito mais
graves, como a falta de compromisso do empresariado, que para cá veio, com os
problemas sociais do Estado, com justificativas nada convincente que geram
emprego e “pagam impostos”.
Nenhum atleta do desporto amador recebe um patrocínio para o seu aperfeiçoamento. Nenhuma peça teatral tem apoio dessas empresas.
O título é um deboche ao modelo e aos
amazônidas, que ainda não conseguiram usufruir dos benefícios que deveriam ser
gerados pela Zona Franca de Manaus, com a criação no interior da Amazônia
de "um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de
condições econômicas que permitam seu desenvolvimento".
Os centros industriais e agropecuários eram o
fim último do modelo. O centro comercial era o meio preliminar desse processo.
Por pressões externas, o comércio da Zona
Franca foi liquidado.
A indústria não passa de um departamento de
produção, cujas operações e fases estratégicas são realizadas fora de Manaus, onde
não se localiza nenhum departamento comercial, de marketing, de design ou ferramentaria.
O tal centro agropecuário,
desentusiasticamente tentado pela SUFRAMA, em poucos momentos, nunca saiu do
papel.
Erros e distorções
muito maiores a indústria paulista cometeu ao longo do seu processo de
desenvolvimento, inclusive à custa de impostos gerados aqui no Amazonas, e nem
por isso, nós, os amazônidas, a combatemos.
Acontece que a
elite paulista não consegue ver o Brasil como o seu País.
O seu país é São
Paulo.
Segue o Editorial!
UMA ZONA RISONHA E FRANCA
A Zona Franca de Manaus poderá funcionar por mais meio século, se o
Congresso aprovar a proposta de emenda à Constituição recém-assinada pela
presidente Dilma Rousseff. Além disso, a área beneficiada por incentivos
fiscais será ampliada para cobrir toda a região metropolitana em torno da
capital amazonense. A presidente anunciou os dois "presentes" - a
palavra é dela - aos manauaras durante a inauguração da ponte sobre o Rio
Negro. Com essa decisão, o governo renega mais uma vez, na prática, sua
promessa de formular e de pôr em execução uma política industrial voltada para
o aumento da competitividade e da criação de empregos. As medidas anteriores
passam longe de qualquer estratégia de modernização e de aumento de
produtividade. Sua maior ousadia é um protecionismo indisfarçável e simplório.
Não há uma única justificativa razoável para a concessão de mais 50 anos
de existência à Zona Franca de Manaus nem para a sua ampliação geográfica. A
Zona Franca foi criada em 1967 para dar um primeiro impulso à industrialização
da Amazônia. Sua extinção foi prevista para 1997, mas bem antes disso, em 1986,
o presidente José Sarney providenciou a primeira prorrogação, desta vez até
2007.
O prazo foi esticado mais duas vezes, até 2013 e depois até 2023. A
última extensão foi uma gentileza do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há
muito a concessão de benefícios a empresas da Zona Franca deixou de ter
qualquer relação com genuína política de desenvolvimento regional. Tudo se
resume em distribuição de favores e manutenção de privilégios, com resultados
negativos para a economia nacional.
Em geral, a criação de zonas francas é compatível com estratégias de
desenvolvimento quando sua produção é destinada ao mercado exterior. Nessas
condições, a concessão de benefícios fiscais favorece a industrialização
regional, a criação de empregos e o fortalecimento das contas externas. Não tem
sentido fazer da zona favorecida um mero polo de atração de investimentos, sem
levar em conta as condições de competição das indústrias instaladas em outras
áreas.
A história da Zona Franca de Manaus é uma crônica de distorções. Lá se
instalaram muitas fábricas de eletroeletrônicos domésticos, atraídas por
incentivos fiscais, terrenos baratos e serviços de utilidade pública a custos
muito baixos. Essas indústrias são as mais conhecidas, mas o polo reúne também
outros tipos de indústrias. Os formuladores da política, deixaram de lado os
objetivos de comércio exterior. As empresas puderam desfrutar de facilidades
para comprar insumos estrangeiros, mas não tiveram de se empenhar na
exportação. Ao contrário, puderam dedicar-se tranquilamente ao abastecimento do
mercado interno, concorrendo em condições privilegiadas com quem ousasse se
instalar no resto do País.
A balança comercial do Estado do Amazonas mostra um dos efeitos dessa
política incompleta. O saldo negativo passou de US$ 3,15 bilhões em 2000 para
US$ 9,94 bilhões no ano passado. Neste ano já chegou a US$ 9,18 bilhões até
setembro.
A Zona Franca de Manaus é, portanto, importadora líquida. Se operasse
como as zonas desse tipo instaladas em outros países, seu balanço seria
positivo, porque o insumo importado livre de imposto ou com imposto reduzido
seria uma de suas várias vantagens competitivas.
Diante da perspectiva de nova prorrogação do prazo da Zona Franca de
Manaus, empresários de outras partes do País cobram compensações. O presidente
da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto
Barbato, já anunciou a intenção de pedir uma renovação da Lei de Informática,
com extinção prevista para 2019. Sem isso, argumentou, as empresas do setor
serão forçadas a transferir-se para Manaus.
Mas isso não é solução. Incentivos promovem o desenvolvimento quanto têm
prazo para acabar. Sem isso, o estímulo para investir, para inovar e para
ganhar competitividade tende a diluir-se. Estratégias de desenvolvimento podem
transformar-se facilmente em políticas cartoriais de distribuição de favores e
privilégios. Isso é bem conhecido no Brasil. Mas a presidente Dilma Rousseff
parece gostar desse tipo de política.
O ESTADO DE
S.PAULO/OPIIÃO/26 DE OUTUBRO DE 2011 | 3H 06