"O DIA EM QUE A "PRESIDENTA DILMA" EM 10 MINUTOS CUSPIU
NO ROSTO DE 370.000 MÉDICOS BRASILEIROS"
Seg, 24 de Junho de 2013 12:31
Escrito por Juliana Mynssen da Fonseca Cardoso*
Há alguns meses eu fiz um plantão em que chorei. Não contei à ninguém
(é nada fácil compartilhar isso numa mídia social). Eu, cirurgiã-geral,
"do trauma", médica "chatinha", preceptora
"bruxa", que carrego no carro o manual da equipe militar cirúrgica
americana que atendia no Afeganistão, chorei.
Na frente da sala da sutura tinha um paciente idoso internado. Numa
cadeira. Com o soro pendurado na parede num prego similar aos que prendemos
plantas (diga-se: samambaias). Ao seu lado, seu filho. Bem vestido. Com fala
pausada, calmo e educado. Como eu. Como você. Como nós. Perguntava pela
possibilidade de internação do seu pai numa maca, que estava há mais de um dia
na cadeira. Ia desmaiar. Esperou, esperou, e toda vez que abria a portinha da
sutura ele estava lá. Esperando. Como eu. Como você. Como nós. Teve um momento
que ele desmoronou. Se ajoelhou no chão, começou a chorar, olhou para mim e
disse "não é para mim, é para o meu pai, uma maca". Como eu faria.
Como você. Como nós.
Pensei "meudeusdocéu, com todos que passam aqui, justo eu...
Nãoooo..... Porque se chorar eu choro, se falar do seu pai eu choro, se me der
um desafio vou brigar com 5 até tirá-lo daqui".
E saí, chorei, voltei, briguei e o coloquei numa maca retirada da ala
feminina.
Já levei meu pai para fazer exame no meu HU. O endoscopista quando
soube que era meu pai, disse "por que não me falou, levava no privado,
Juliana!" Não precisamos, acredito nas pessoas que trabalham comigo. Que
me ensinaram e ainda ensinam. Confio. Meu irmão precisou e o levei lá. Todos os
nossos médicos são de hospitais públicos que conhecemos, e, se não os usamos
mais, é porque as instituições públicas carecem. Carecem e padecem de leitos,
aparelhos, materiais e medicamentos.
Uma vez fiz um risco cirúrgico e colhi sangue no meu hospital
universitário. No consultório de um professor ele me pergunta: "e você
confia?".
"Se confio para os meus pacientes tenho que confiar para
mim."
Eu pratico a medicina. Ela pisa em mim alguns dias, me machuca, tira o
sono, dá rugas, lágrimas, mas eu ainda acredito na medicina. Me faz melhor.
Aprendo, cresço, me torna humana. Se tenho dívidas, pago-as assim. Faço porque
acredito.
Nesses últimos dias de protestos nas ruas e nas mídias brigamos por um
país melhor. Menos corrupto. Transparente. Menos populista. Com mais qualidade.
Com mais macas. Com hospitais melhores, mais equipamentos e que não faltem
medicamentos. Um SUS melhor.
Briguei pelo filho do paciente ajoelhado. Por todos os meus pacientes.
Por mim. Por você. Por nós. O SUS é nosso.
Não tenho palavras para descrever o que penso da "Presidenta"
Dilma. (Uma figura que se proclama "a presidenta" já não merece minha
atenção).
Mas hoje, por mim, por você, pelo meu paciente na cadeira, eu a ouvi.
A ouvi dizendo que escutou "o povo democrático brasileiro".
Que escutou que queremos educação, saúde e segurança de qualidades.
"Qualidade"... Ela disse.
E disse que importará médicos para melhorar a saúde do Brasil....
Para melhorar a qualidade....?
Sra. "presidenta", eu sou uma médica de qualidade. Meus pais
são médicos de qualidade. Meus professores são médicos de qualidade. Meus
amigos de faculdade. Meus colegas de plantão. O médico brasileiro é de
qualidade.
Os seus hospitais é que não são. O seu SUS é que não tem qualidade. O
seu governo é que não tem qualidade.
O dia em que a Sra. "presidenta" abrir uma ficha numa UPA,
for internada num Hospital Estadual, pegar um remédio na fila do SUS e falar
que isso é de qualidade, aí conversaremos.
Não cuspa na minha cara, não pise no meu diploma. Não me culpe da sua
incompetência.
Somos quase 400 mil, não nos ofenda. Estou amanhã de plantão, abra uma
ficha, eu te atendo. Não demora, não.
Não faltam médicos, mas não garanto que tenha onde sentar. Afinal, a
cadeira é prioridade dos internados.
Hoje, eu chorei de novo.
(*) Juliana Mynssen da Fonseca Cardoso é cirurgiã
geral no Hospital Estadual Azevedo Lima, no Rio de Janeiro (CRM-RJ 822370.
Texto publicado originalmente no Portal do Conselho Federal
de Medicina, no dia 24/06/2013).