ÓPERA DE UM VINTÉM!
Sandro Vaia
Não
se fazem mais revoluções como antigamente.
Como
escreveu no Facebook uma velha amiga jornalista, agora se luta por 10 centavos
no preço da passagem de ônibus.
Os
sonhadores de 68, além de se transformarem em personagens de filme de
Bertolucci, não queriam menos do que tudo: virar aquela sociedade de cabeça
para baixo para criar outra no lugar.
É
bem verdade que não deu certo, e pouco coisa restou dos sonhos de então. Mas a
estética das manifestações dos estudantes franceses foi tombada pelo intangível
patrimônio histórico da memória como marca registrada do espírito de uma época.
As
sucessivas e intrincadas “primaveras” do mundo árabe, que fizeram os nossos
explicadores derramarem rios de tinta para tentar chegar às raízes, mais a
tomada das praças dos países europeus em crise e os “occupy” nos EUA contra os
excessos dos malabarismos financeiros de Wall Street, devem ter despertado o
espírito revolucionário adormecido de alguns dos nossos jovens rebeldes sem
causa.
De
repente, uma causa: um aumento de 20 centavos no preço das passagens de ônibus,
tão rotineiro e previsível como o sol depois da chuva , serviu como pretexto
para levar à rua um pouco de fogo, pedras e sangue, sacrificando a livre
movimentação de pessoas, com alguns arroubos de selvageria e vandalismo contra
o patrimônio público e privado.
Causa
nobre: passe livre, catracas abertas, transporte mais barato para o povo. Mais
barato ou - por que não ?- de graça.
A
grande utopia da humanidade continua sendo o almoço grátis.
Supostamente
o maior prejudicado pelo aumento, ou por outra, o que seria o maior
beneficiário da reivindicação, ficou à margem dos protestos: o povo, que não
foi ouvido nem cheirado por quem resolveu agir e depredar em seu nome.
Não
só não foi ouvido nem consultado, como acabou sendo a maior vítima dos
transtornos provocados pelos tumultos.
Política
pura, e das menores. Os idealizadores e autores dos “protestos”, pequenos
grupos, ONGs e partidos minúsculos de extrema-esquerda, muito mais do que o
objetivo de facilitar a vida das pessoas que andam de ônibus, têm o claro
objetivo de dificultar a vida dos governantes a quem se opõem, em suas
peculiares visões do que sejam direita ou esquerda.
Não
faltou quem protestasse contra quem chamou os vândalos de vândalos, em
contraposição ao adjetivo de “ativistas”, usado para qualificar os
manifestantes turcos.
No
seu incurável reducionismo intelectual, acreditam ser possível comparar um
movimento nascido das profundezas da alma turca, contra o crescente
autoritarismo do governo Erdogan e o processo de islamização de uma sociedade
tradicionalmente secularizada, com um movimento de banal agit-prop de fins
eleitorais.
Até
a qualidade dos sonhos e das primaveras já foi melhor.
Sandro Vaia é Jornalista.