ROBERTO CIVITA NÃO É RUPERT MURDOCH
O Globo
Blogs e veículos de imprensa
chapa branca que atuam como linha auxiliar de setores radicais do PT
desfecharam uma campanha organizada contra a revista "Veja", na
esteira do escândalo Cachoeira/Demóstenes/Delta.
A operação tem todas as
características de retaliação pelas várias reportagens da revista das quais
biografias de figuras estreladas do partido saíram manchadas, e de denúncias de
esquemas de corrupção urdidos em Brasília por partidos da base aliada do
governo.
É indisfarçável, ainda, a
tentativa de atemorização da imprensa profissional como um todo, algo que esses
mesmos setores radicais do PT têm tentado transformar em rotina nos últimos
nove anos, sem sucesso, graças ao compromisso, antes do presidente Lula e agora
da presidente Dilma Roussef, com a liberdade de expressão.
A manobra se baseia em fragmentos
de grampos legais feitos pela Polícia Federal na investigação das atividades do
bicheiro Carlinhos Cachoeira, pela qual se descobriu a verdadeira face do
senador Demóstenes Torres, outrora bastião da moralidade, e, entre outros
achados, ligações espúrias de Cachoeira com a construtora Delta.
As gravações registraram vários
contatos entre o diretor da Sucursal de "Veja" em Brasília, Policarpo
Jr, e Cachoeira. O bicheiro municiou a reportagem da revista com informações e
material de vídeo/gravações sobre o baixo mundo da política, de que alguns
políticos petistas e aliados fazem parte.
A constatação animou alas
radicais do partido a dar o troco. O presidente petista, Rui Falcão, chegou a
declarar formalmente que a CPI do Cachoeira iria "desmascarar o
mensalão".
Aos poucos, os tais blogs
começaram a soltar notas sobre uma suposta conspiração de "Veja" com
o bicheiro. E, no fim de semana, reportagens de TV e na mídia impressa chapas
brancas, devidamente replicados na internet, compararam Roberto Civita, da
Abril, editora da revista, a Rupert Murdoch, o australiano-americano sob
cerrada pressão na Inglaterra, devido aos crimes cometidos pelo seu jornal
"News of the World", fechado pelo próprio Murdoch.
Comparar Civita a Murdoch é tosco
exercício de má-fé, pois o jornal inglês invadiu, ele próprio, a privacidade
alheia.
Quer-se produzir um escândalo de
imprensa sobre um contato repórter-fonte. Cada organização jornalística tem
códigos, em que as regras sobre este relacionamento — sem o qual não existe
notícia — têm destaque, pela sua importância.
Como inexiste notícia passada de
forma desinteressada, é preciso extremo cuidado principalmente no tratamento de
informações vazadas por fontes no
anonimato.
Até aqui, nenhuma das gravações
divulgadas indica que o diretor de “Veja” estivesse a serviço do bicheiro, como
afirmam os blogs, ou com ele trocasse favores espúrios. Ao contrário, numa das
gravações, o bicheiro se irrita com o fato de municiar o jornalista com
informações e dele nada receber em troca.
Estabelecem as Organizações Globo
em um dos itens de seus Princípios Editoriais: "(...) é altamente
recomendável que a relação com a fonte, por mais próxima que seja, não se
transforme em relação de amizade. A lealdade do jornalista é com a
notícia".
E em busca da notícia o repórter
não pode escolher fontes. Mas as informações que vêm delas devem ser analisadas
e confirmadas, antes da publicação. E nada pode ser oferecido em troca, com a
óbvia exceção do anonimato, quando necessário.
O próprio braço sindical do PT,
durante a CPI de PC/Collor, abasteceu a imprensa com informações vazadas
ilegalmente, a partir da quebra do sigilo bancário e fiscal de PC e outros.
O "Washington Post" só
pôde elucidar a invasão de um escritório democrata no conjunto Watergate porque
um alto funcionário do FBI, o "Garganta Profunda", repassou a seus
jornalistas, ilegalmente, informações sigilosas.
Só alguém de dentro do esquema do
mensalão poderia denunciá-lo. Coube a Roberto Jefferson esta tarefa.
A questão é como processar as
informações obtidas da fonte, a partir do interesse público que elas tenham. E
não houve desmentidos das reportagens de "Veja" que irritaram alas do
PT.
Ao contrário, a maior parte delas
resultou em atitudes firmes da presidente Dilma Roussef, que demitiu ministros
e funcionários, no que ficou conhecido no início do governo como uma faxina
ética.
O GLOBO / EDITORIAL / 08.05.2012