Mítica do articulador
Muito tem se falado sobre os
recentes atos políticos imperfeitos do ex-presidente Lula.
Ora os tropeços são atribuídos a
presumidos efeitos de medicação decorrente do tratamento de um câncer na
laringe, ora a uma suposta crise aguda de onipotência pós-Presidência da
República.
Seja qual for a tese defendida,
seus autores partem do princípio de que Lula sempre acertou e de repente
começou a errar sem uma explicação plausível para as falhas em seu instinto
tido como infalível.
Há um assombro geral com a desfaçatez
do ex-presidente ao passar por cima de tudo e de todos, da lógica, dos
procedimentos institucionais sem a menor preocupação com as circunstâncias de
seus companheiros de partido e com a repercussão de suas ações sobre a opinião
pública.
Da mesma forma que se acha capaz
de submeter processos eleitorais à sua vontade, não avalia consequências, não
dá ouvidos às críticas preferindo enquadrá-las na moldura da conspiração
engendrada por adversários políticos dos quais a imprensa seria agente
engajado.
Falta, nessas análises, um exame
mais acurado do ambiente político como um todo e do histórico de ações de Lula.
Se olharmos direito, não é de
hoje que age assim - fez e disse barbaridades enquanto estava na Presidência -
nem é o único a atuar de costas para o contraditório como se qualquer ação
estivesse a salvo de reações.
O Congresso vem construindo há
muito tempo sua crescente desmoralização agindo exatamente da mesma forma: toma
decisões que excluem o interesse público, voltadas para seus próprios interesses
como se a sociedade simplesmente não existisse.
Os escândalos ali produzem no
máximo recuos temporários, promessas não cumpridas e recorrentes avaliações de
que o Parlamento é um Poder aberto e, por isso, vítima de ataques injustos.
Sob essa argumentação os erros se
acumulam, mas não cessam. Quando se imagina que deputados e senadores tenham
ciência do repúdio que provocam, eis que de novo tentam patrocinar uma farra de
salários mal saídos de crises em série decorrentes de farras de privilégios
outros.
Lula achou que pudesse descartar
impunemente a senadora Marta Suplicy, aproximar-se de Gilberto Kassab ao custo
do constrangimento da militância e do discurso petista, anular uma prévia
reconhecida como legal no Recife, pedir bênção a Paulo Maluf, direcionar a
posição de um ministro do Supremo Tribunal Federal e administrar uma comissão
de inquérito ao molde de seus interesses como se não houvesse amanhã.
E escolheu agir assim por quê?
Porque é assim que as coisas têm funcionado na política.
Lula não é o espetacular
articulador que se imagina. Apenas tinha, e agora não tem mais, todos os
instrumentos de poder nas mãos, os quais utilizou com ausência total de
escrúpulos. Quem age ao arrepio das regras ganha sempre de quem é obrigado a
segui-las.
Assim como faz o Congresso quando
inocenta parlamentares de culpa comprovada, adapta a Constituição às suas
conveniências, adia a reforma política, não acaba com o voto secreto para
processos de cassação de mandatos e inventa regras segundo as quais a
comprovação de desvios de vida pregressa não serve como critério de avaliação
da conduta presente.
Nem Lula comete erros novos nem o
Parlamento deixa de ser reincidente.
Ambos se unem no mesmo equívoco,
imaginando que seja possível fazer a opção por atos erráticos acreditando que
não chegará o momento em que aquilo que parece sempre certo começa
irremediavelmente a dar errado.
Borralheiro. Caladinho, o PMDB se
ressente do isolamento imposto pelo PT na eleição de São Paulo.
Até a volta. Duas semanas de
intervalo, antes da eleição e do julgamento do mensalão.
O ESTADO DE SÃO PAULO / OPINIÃO / DORA KRAMER / MÍTICA DO ARTICULADOR / 24.06.2012.