EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO
A sempre inteligente revista
britânica The Economist, que já existia havia quase 30 anos quando Marcel
Proust nasceu, acaba de criar, exatos 90 anos após a morte do grande escritor,
um "índice Proust", que procura medir o "tempo perdido", ou
melhor, a extensão do retrocesso (em anos) causado pela grave crise econômica,
financeira e fiscal que há quase meia década assola o mundo desenvolvido.
A medida até agora mais simples
desse retrocesso já era preocupante: dos 34 países mais
"desenvolvidos", 28 não haviam alcançado, em 2011, o nível de produto
per capita que tinham em 2007. A revista The Economist utiliza mais seis
indicadores, além do produto interno bruto (PIB): consumo privado, desemprego,
salário real, preços de ativos financeiros, preços de habitação e riqueza
familiar. Uma média de retrocessos - tempo perdido em anos - em cada uma das
três categorias em que estão agrupados esses indicadores produz o "índice
Proust".
Alguns dos resultados: para a
Grécia o relógio teria sido atrasado 12 anos. Irlanda, Itália, Portugal e
Espanha teriam "perdido" sete anos ou mais. A Inglaterra, oito. Os
Estados Unidos, epicentro do abalo sísmico que afetou a economia mundial,
estariam, na média dos indicadores acima, com um atraso de dez anos. A revista
não apresenta índices de Proust para países "em desenvolvimento". Mas
é sabido que, dentre os 150 membros desse grupo, cerca de 33 teriam, em 2011,
renda per capita inferior à que tinham em 2007.
Isso não significa, de forma
alguma, nenhuma projeção para os anos à frente que seriam necessários para
recuperar os anos "perdidos". É sabido que médias desse tipo podem
encobrir tanto (ou mais) do que revelam. E que alguns dos indicadores do índice
acima podem mudar muito mais rapidamente que outros, como, por exemplo, preços
de ativos, após longos períodos de declínio. O fato é que, em definitivo, não
era uma "marolinha", como se disse por aqui.
Os países de alta renda, cujas
dificuldades têm consequências de ordem sistêmica, em seu conjunto, deverão
crescer menos de 2% entre 2007 e 2012, enquanto no mesmo período a China, a
Índia e o Brasil deverão crescer - e por motivos distintos - cerca de, respectivamente,
56%, 43% e 21%. Fica cada vez mais claro que esta crise está levando a uma
mudança estrutural na composição da demanda e da oferta globais. E exigindo, de
todos os países, respostas adequadas em termos de políticas domésticas - para
além da área econômica.
Não é apenas o mundo desenvolvido
que precisa lançar-se numa proustiana busca do tempo perdido para
"recuperá-lo" - por meio de uma melhor memória de seu passado, base
para uma visão de seu futuro. Permito-me ilustrar o ponto acima reproduzindo um
texto recente: "Os principais obstáculos do rápido desenvolvimento
econômico são internos, e não externos. Entre as restrições óbvias estão falhas
de governança, gastos desnecessários com subsídios (...), um histórico terrível
em termos de educação e saúde para a maioria da população, leis trabalhistas
rígidas, infraestrutura inadequada e restrições ao uso eficiente da
terra".
Como diria o grande Ancelmo Gois,
"deve ser duro viver em um país assim". Apesar de soar muito
familiar, a observação vem de um livro recém-lançado, com o título A Índia após
a Crise Mundial, de Shankar Acharya, ex-assessor econômico do chefe de Governo
indiano. O que sugere que, mesmo para um país que deve crescer mais que o dobro
do Brasil entre 2007 e 2012, existe uma enorme necessidade de "buscar o
tempo perdido". Até porque as deficiências mencionadas acima constituem
oportunidades de investimento e apontam para a necessidade de continuidade no
processo de reformas que permitiram o enorme progresso daquele país.
A grande lição não deveria passar
despercebida por nós, brasileiros. E talvez não esteja. Em meu artigo neste
espaço no segundo domingo do mês passado (Vivendo e aprendendo), mencionei que
os leilões de concessão ao setor privado dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos
e Brasília vinham com um atraso de muitos anos, mas representavam, afinal, uma
vitória do pragmatismo sobre a ideologia. Uma busca do tempo perdido para
recuperá-lo - pensando no futuro.
Pois bem, nas últimas semanas
tivemos outro exemplo: com 14 anos de atraso (tempo perdido) os fatos e os
argumentos acabaram prevalecendo sobre a ideologia e o corporativismo. O
governo Dilma Rousseff, afinal convencido de que o regime de previdência dos
servidores públicos era absolutamente insustentável no médio e no longo prazos,
decidiu mobilizar-se para mudá-lo, mostrando um entendimento que faltou ao
governo Lula.
Existem muitos outros avanços
possíveis e necessários exatamente agora que fica cada vez mais claro que o
crescimento econômico sustentado a taxas superiores a 4% ao ano exige uma taxa
de investimento privado mais elevada, especialmente em infraestrutura. Há que
ampliar o regime de concessões (já que o lulopetismo não pode ouvir falar em
privatizações) nessas áreas. E isso é urgente.
A ideia de que o problema fundamental
do crescimento brasileiro é reduzir juros e desvalorizar o câmbio ainda é muito
arraigada entre nós - assim como a suposição equivocada de que o governo pode
colocar as taxas reais de juros e câmbio onde quiser. Menos arraigada entre nós
é a necessidade de entender por que certos países foram e outros estão sendo
bem-sucedidos no presente, como os asiáticos. Estes construíram um complexo e
eficiente sistema educacional e uma invejável estrutura logística de
transportes, cadeias de suprimentos e mecanismos pragmáticos de cooperação
regional, sem perder de vista a sua integração com o resto do mundo.
É muito importante extrair dessas
experiências - nada ideológicas - as lições corretas para o nosso futuro.
O ESTADO DE SÃO PAULO / OPINIÃO / ESPAÇO ABERTO / EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO / PEDRO S. MALAN /11.03.2012
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