Ao longo da vida sempre tive posições
bem claras sobre os mais variados assuntos. Por certo, como todo mortal, às
vezes, estava certo, e outras, equivocado. Pelas minhas posições sempre paguei
os preços correspondentes, principalmente, quando elas eram impopulares. Nunca
fui adepto de deixar de tomar uma posição em troca do aplauso fácil, do faz de
conta, do “agarol” como se diz no popular.
Dito isto, abordo a questão do
aumento do IPTU proposto pelo Prefeito à Câmara e por ela aprovado.
Inicialmente volto a máquina do tempo
ao ano de 2006. Naquela altura eu era o Prefeito, enfrentava a falta de
recursos e constatou-se que Manaus era a capital que tinha a menor
arrecadação de IPTU proporcionalmente falando. Curitiba, cidade que vem logo
abaixo de Manaus em população, arrecadava com IPTU seis vezes mais do que nós.
Hoje é mais ou menos assim: Manaus arrecada anualmente R$ 50 milhões, o que não
cobre nem ao menos as despesas da Câmara Municipal, que são de R$ 80 milhões
anuais e Curitiba arrecada R$ 300 milhões, o que paga o equivalente a 60% das
despesas da saúde da capital paranaense.
Nesse contexto tomei a decisão de
rever a Planta de Valores da cidade, o que, por óbvio, resultaria em aumento do
IPTU. No entanto, dentro do princípio da capacidade contributiva, foram
adotados critérios objetivando Justiça Fiscal que podem ser resumidos no
seguinte:
- Quem não podia pagar, ficaria
isento, e com isso 140.000 contribuintes de baixo poder contributivo ficaram
isentos;
- Quem podia pagar menos, continuaria
pagando basicamente o mesmo;
- Quem podia pagar mais, pagaria
mais;
- Quem tinha terrenos e estava
especulando, pagaria pela especulação.
Foram longas e intermináveis
discussões, internas e externas, para depois encaminhar o projeto à Câmara, que
o aprovou e eu sancionei. Disso resultou a Lei nº 1.091/2006.
A partir daí o mundo desabou em cima
de mim. A mídia partiu para cima. Editoriais, matérias, opiniões contrárias,
nem sempre me dando, ao menos, o direito de contraponto.
Até tradicionais devedores de IPTU
como o atual Prefeito Amazonino Mendes desmascarado no último debate de 2004
tornou-se arauto da diminuição da carga tributária. Aliás, vivi naqueles dias
uma situação inusitada. Um grande proprietário de terras de nossa cidade que
segundo os dados da SEMEF não pagava IPTU há 25 anos abordou-me em um evento
para dizer que eu estava errado. Não me contive e disse-lhe que para ele o
aumento não deveria fazer qualquer diferença, pois ele não pagava mesmo. Ele
ficou branco e desde esse dia passou a me evitar.
O Ministério Público, a OAB-AM e
alguns vereadores entraram na Justiça com a arguição de que o aumento era
inconstitucional. E isso aumentou a campanha da mídia.
No meio disso tudo foi feita uma
pesquisa qualitativa com grupos para avaliar como a opinião pública encarava o
aumento. No grupo de contribuintes que antes pagavam e que receberam o carnê
informando que estavam isentos, o resultado foi que TODOS eram contra as
mudanças. Ou seja, os beneficiários da lei eram contra. Perguntados por que
eram contra, já que estavam isentos, a resposta foi: “…mas a rádio tá dizendo
que aumentou muito.”.
Óbvio que havíamos perdido a guerra
da comunicação, pois até os beneficiários da lei eram contra.
Na sequência, o Tribunal de Justiça
decidiu pela inconstitucionalidade do aumento. Embora pudesse continuar
discutindo judicialmente e cobrando, preferi recuar. Não seria sensato
prosseguir no embate, apesar de estar convencido que estava fazendo o que
deveria ser feito. Também por isso paguei novos preços.
Voltemos agora a 2011.
O Prefeito Amazonino Mendes, o mesmo
que não pagou o IPTU, e que em três anos de administração (2009/2011) dispôs de
mais de DOIS BILHÕES E QUINHENTOS MILHÕES DE REAIS do que a minha administração
nos três primeiros anos (2005/2007), copiou literalmente o texto da Lei nº
1.091/2006 (a lei da minha época que alterava a base de cálculo do IPTU), fez
pequenas alterações nos Anexos e enviou projeto à Câmara Municipal para
aumentar o IPTU, alterando não apenas a Planta de Valores, mas criando novas
alíquotas. E o que é pior, cobrando daqueles que pela lei anterior ficaram
isentos. Os 140.000 proprietários de baixo poder contributivo agora vão pagar.
Não estou nem um pouco preocupado se
a posição da mídia e das instituições como MP e OAB-AM será a mesma adotada quando
da minha administração. Isso é irrelevante. O relevante, o que importa, é
comparar as duas propostas e marcar as diferenças.
A nossa tinha uma lógica, a dele tem
outra. A nossa liberou 140.000 pequenos proprietários de pagar o IPTU. A dele
passa a cobrar desses que possuem baixa capacidade de contribuir. A nossa
tratava desigualmente os desiguais. A dele trata igualmente os desiguais. A
nossa buscava a Justiça Fiscal, a dele consagra a injustiça. A nossa cobrava
menos de quem podia menos e mais de quem podia mais. A dele cobra mais de
todos, sem considerar a capacidade de contribuir de cada um.
Que bom que ele saiu da toca e
escreveu num projeto de lei o que pensa sobre IPTU, pois só assim é possível
estabelecermos a comparação e o povo avaliar o que é melhor e o que é pior; o
que é coerente e o que é incoerente.
2012 será o ano de grandes debates
sobre os temas da cidade. A fonte de recursos para o custeio da máquina, onde
se inclui o IPTU, será um deles. Aprofundar esse debate vai fazer bem a
democracia e permitir ao povo escolher a proposta que achar mais coerente.
Vamos em frente.
*
Serafim Corrêa é economista, advogado e ex-prefeito de Manaus.