STF - DECISÕES HISTÓRICAS
Duas decisões históricas do
Supremo Tribunal Federal (STF) devolveram esperança à cidadania e mostraram que
a Corte Suprema não é insensível ao justo clamor da opinião pública. Não foi
necessário esperar a Quarta-feira de Cinzas para a sociedade cair na realidade.
Em pleno mês do samba e da folia, marca registrada da terra do carnaval, os
ministros do STF cravaram duas magníficas estacas do Estado de Direito:
reconheceram os poderes de investigação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e
decidiram que a Lei da Ficha Limpa vale para as eleições deste ano.
A maioria dos ministros do STF
decidiu na tarde de quinta-feira 2 de fevereiro, por 6 votos a 5, manter os
poderes de investigação do CNJ, reconhecendo sua autonomia para abrir
investigações contra magistrados sem depender de corregedorias locais. A
decisão contraria liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello no fim do
ano passado, atendendo a pedido feito pela Associação dos Magistrados do
Brasil, que tentava fazer valer a tese de que o CNJ só poderia investigar
magistrados após processo nas corregedorias estaduais.
Nada contra as corregedorias
locais, muitas lideradas por magistrados íntegros e competentes. A experiência
do corporativismo e do seu filhote, a impunidade, sugere que o Brasil não deve ver
reduzidas ou limitadas as instâncias investigatórias, mas ampliadas.
Em louvável e transparente
entrevista à revista Veja, o novo presidente do Tribunal de Justiça de São
Paulo, desembargador Ivan Sartori, reconheceu que o viés corporativista do
Judiciário não é uma invenção da imprensa. O magistrado afirmou que alguns
colegas de toga envolvidos em supostos desvios foram convidados a se aposentar
sem a devida investigação: "Foi um erro gravíssimo. Deveriam ter sido
investigados, punidos e expostos. Porém havia uma cultura de não fazer isso,
para evitar que as pessoas pensassem que somos todos assim". Foi para
evitar a cultura do acobertamento e a consequente impunidade que o STF
referendou os poderes do CNJ. A decisão foi uma vitória da sociedade e dos magistrados
honrados que não querem a sombra dos privilégios, mas a transparência que deve
pautar o comportamento dos servidores públicos.
Na outra decisão histórica, o STF
barrou os candidatos ficha-suja nas eleições deste ano. "Uma pessoa que
desfila pelo Código Penal ou pela Lei da Improbidade Administrativa não pode se
apresentar como candidato", afirmou o ministro Carlos Ayres Britto. Quem
quiser ser candidato não pode, por exemplo, ter sido condenado por um colegiado
da Justiça ou por órgão profissional como a Ordem dos Advogados do Brasil e o
Conselho Federal de Medicina, mesmo que ainda possa recorrer da decisão. Nem
pode ter renunciado ao mandato para escapar da cassação. Também ficam impedidos
de participar da eleição os políticos que tiveram contas rejeitadas e os
demitidos do serviço público.
Apoiada em 1,3 milhão de
assinaturas para que o projeto de iniciativa popular fosse apresentado ao
Congresso, a Lei da Ficha Limpa, fortemente estimulada pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil e agora plenamente reconhecida pelo STF, é um
exemplo do que pode fazer o exercício da cidadania. Foi um golaço da sociedade
e uma derrota da bandidagem.
A decisão evidencia também a
importância do trabalho da imprensa no combate à corrupção. É difícil encontrar
um único ficha-suja cuja nudez não tenha sido iluminada pelos holofotes da
imprensa de qualidade. Reportagens consistentes estão na origem de inúmeros
processos judiciais. É o papel inestimável dos jornais nas sociedades
democráticas.
Rebelam-se os políticos contra a
divulgação rigorosa dos fatos. As denúncias da imprensa séria não são uma
abstração. Sustentam-se em evidências. E os leitores têm o direito de receber
tal informação. Trata-se de elementar prestação de serviço à cidadania. Qual é
o problema? Qual o motivo da revolta?
O que se pretende é que a
imprensa oculte informações desfavoráveis aos políticos, que o jornalismo se
transforme em agente do marketing. Não, caro leitor, nós, jornalistas, não
somos coadjuvantes do teatro político. Nosso compromisso é com a verdade e com
os leitores. E ponto final. O jornalismo de qualidade, ao contrário do que
desejariam certos políticos, deve dizer quem é ficha-suja.
A informação não é um enfeite. É
o núcleo da missão da imprensa. Políticos manifestam crescente desconforto com
o que representam os pilares da democracia: a liberdade de imprensa e o direito
à informação. Não admitem críticas. Só aceitam aplausos. Mas o mais espantoso é
que começam a ficar ouriçados com a simples exposição dos fatos. Investe-se não
apenas contra a opinião, mas também contra a própria informação.
É dever ético da imprensa
promover uma ampla conscientização popular da relevância que os cargos públicos
têm e da importância de que pessoas absolutamente idôneas os ocupem. O eleitor
tem o direito de conhecer os antecedentes dos candidatos, sua evolução
patrimonial, seu desempenho em cargos anteriores, etc. Impõe-se, também, um bom
levantamento das promessas de campanha. É preciso mostrar eventuais
descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, no fundo, de levar
adiante um bom jornalismo de serviço.
O secretismo é um perigo para a
democracia. O princípio da presunção da inocência deve ser garantido, mas não à
custa da falta de transparência. Não tem sentido querer dar à exposição jornalística
dos fatos qualquer viés antidemocrático. A imprensa, no cumprimento rigoroso de
sua missão de informar, continuará dizendo a verdade. Gostem ou não os
políticos ou os candidatos.
O ESTADO DE SÃO PAULO / Opinião /
STF – Decisões Históricas /
Carlos Alberto Di Franco / 05.03.2012.
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