O CORPORATIVISMO NA JUSTIÇA
Apontado pela corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon,
como uma das cortes mais fechadas e resistentes às fiscalizações do País, o
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acaba de dar mais uma demonstração do
que poderá ocorrer caso o STF acolha o recurso impetrado pela Associação dos
Magistrados Brasileiros, retirando do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a
prerrogativa de julgar administrativamente magistrados acusados de desvio de
conduta. As Justiças estaduais alegam que dispõem de corregedorias para fazer
esse trabalho. Mas, como mostra Eliana Calmon, elas são lentas, ineptas e
primam pelo corporativismo. Atualmente, 32 desembargadores respondem a
sindicâncias e processos disciplinares no CNJ. Entre os desembargadores já
condenados, um chefiava uma corregedoria. Ele foi acusado de desleixo, omissão
e favorecimento.
Municiando a corregedora nacional de Justiça com nova prova de
corporativismo, o presidente do TJSP, desembargador José Roberto Bedran, acaba
de propor oficialmente à Secretaria da Segurança Pública a assinatura de um
"protocolo, convênio ou entendimento" para a criação da figura de um
"delegado especial" encarregado de cuidar de ocorrências policiais
que envolvam magistrados da Justiça paulista. A iniciativa foi anunciada esta
semana, durante a sessão em que o tribunal discutiu a promoção ao cargo de
desembargador do juiz Francisco Orlando de Souza, que há duas semanas foi
detido pela polícia sem carteira de habilitação e sob suspeita de dirigir
embriagado. Depois de se envolver numa briga de trânsito, em São Bernardo, na
frente do 1.º Distrito Policial da cidade, o magistrado foi detido, recusou-se
a fazer o teste do bafômetro, discutiu com o delegado, que o acusou de ter dado
"carteirada", e acabou sendo escoltado por policiais civis até sua
casa.
A sessão do TJSP foi um festival de corporativismo. Os desembargadores
elogiaram Souza, que terá de ser ouvido pela Corregedoria-Geral da Justiça, e,
além de desprezar o boletim de ocorrência, levantaram suspeitas sobre a conduta
do delegado e dos investigadores que o prenderam por desacato. Finalmente, por
unanimidade, promoveram o colega à última instância da Justiça estadual, pelo
critério de antiguidade.
Em São Paulo, os juízes e desembargadores já gozam de um direito que é
negado aos cidadãos comuns. Quando se envolvem em algum incidente banal, os
magistrados não podem ser conduzidos a delegacias de polícia e a ocorrência tem
de ser comunicada imediatamente ao Tribunal de Justiça. Juízes só podem ser
presos em flagrante por outro juiz. Agora, além desse tratamento especial, a
magistratura estadual quer o direito a "delegado exclusivo". Segundo
o desembargador Bedran, o tratamento diferenciado dado por um delegado
exclusivo evitaria que as ocorrências policiais chegassem ao conhecimento dos
meios de comunicação, evitando assim que eles publicassem reportagens "sensacionalistas"
e "fatos distorcidos" que maculem a imagem de seus colegas de ofício.
"Não queremos evitar a divulgação de fatos, mas que eles sejam
desvirtuados. Esse entendimento entre o Tribunal de Justiça de São Paulo e a
Secretaria da Segurança Pública vai levar a que se evitem esses incidentes
(como a detenção de um juiz acusado de dirigir alcoolizado e sem carteira) e
que cheguem ao conhecimento dos jornais e possam até ser explorados",
disse o presidente do TJSP. Em nota polida, porém firme, a Secretaria da
Segurança Pública anunciou que informará mais rapidamente o tribunal das
ocorrências policiais envolvendo magistrados, mas que não criará a figura do
"delegado especial" nem restringirá o trabalho da imprensa. "Não
há que se confundir a observância da lei com a redução das atribuições
funcionais dos delegados e tampouco cerceamento do trabalho da imprensa",
diz a nota.
É um fato insólito. Se não estivessem divorciados da realidade,
preocupados em primeiro lugar com interesses corporativos, os dirigentes da
Justiça não estariam na constrangedora posição de terem de ouvir lições
elementares de direito ministradas por delegados.
O ESTADO DE S.PAULO/OPINIÃO - 23 DE OUTUBRO
DE 2011 | 3H 04
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