Os
deputados estaduais do Amapá estão recebendo uma verba indenizatória, paga além
do salário, de R$ 100 mil por mês. Mas quem se impressiona com mais esse
absurdo? Para qualquer lado que se olhe neste país, em qualquer direção que se
procure, lá se encontram marginais travestidos de homens públicos que não hesitam
em meter a mão no dinheiro que é de todos, locupletando-se à custa dos
brasileiros que, vergados sob o peso de uma das mais onerosas cargas
tributárias do mundo, assistem impotentes ao espetáculo da corrupção e da
ineficiência no trato da coisa pública. Não há faxina que possa dar conta
deles. As evidências que diariamente vêm à tona demonstram que em todos os
níveis, em todos os poderes, em todos os partidos, em todos os Estados e
municípios, a corrupção se alastra. Basta procurar, que se encontra.
O
escândalo da vez vem do Estado amazônico que José Sarney escolheu para
representar no Senado. Lá, a Polícia Federal levou a cabo a Operação Mãos
Limpas, cujo relatório final o Estado divulgou no domingo passado. O inquérito
foi feito com a colaboração de técnicos da Controladoria-Geral da União (CGU) e
revela o envolvimento de membros dos Três Poderes estaduais, do Tribunal de
Contas e da prefeitura da capital, Macapá, em desvios de recursos públicos que
somaram, ao longo de dez anos, cerca de R$ 1 bilhão.
Mesmo
diante dessa enormidade a trampolinagem praticada pela Mesa Diretora da
Assembleia Legislativa amapaense pode ser considerada de primeira grandeza. Em
junho, na maior moita, a verba indenizatória dos 24 deputados estaduais foi
elevada para inacreditáveis R$ 100 mil por mês. Essa verba indenizatória é
quase três vezes maior do que a paga pela Assembleia de Alagoas - de R$ 39 mil
-, considerada recordista em generosidades no trato de seus deputados, até que
se conheceram os hábitos amapaenses. E corresponde a sete vezes o que os
deputados federais recebem para cobrir as mesmas despesas gerais de aluguel,
transporte e consultoria. Os responsáveis pela decisão são o presidente da
Assembleia, Moisés Souza (PSC), e o primeiro-secretário da Mesa, Edinho Duarte
(PP). Ambos integram com destaque a lista dos indiciados pela Operação Mãos
Limpas, acusados de participar de um esquema de emissão de notas frias
destinadas a mascarar o desvio de verbas públicas.
Mas
o que dá a exata medida da podridão que infesta a vida pública do Estado é a
história de um personagem que, se fosse de ficção, seria simplesmente
inacreditável. Mas é de carne e osso. José Julio de Miranda Coelho comandou a
Polícia Militar, presidiu a Assembleia Legislativa por dois mandatos consecutivos
e era presidente do Tribunal de Contas quando foi preso no ano passado pela
Operação Mãos Limpas, sob a acusação de desvios num montante de R$ 190 milhões,
e solto em março último. É suspeito do assassínio de um policial federal, cuja
arma foi encontrada na sua casa, além de responder à acusação de pedofilia.
Possui cerca de 100 imóveis, alguns deles em São Paulo, tudo em nome de
laranjas. Pois é esse o homem que manda no dia a dia da política amapaense. Lá,
tudo é feito à sua imagem e semelhança.
A
Assembleia Legislativa, que ele presidiu por duas vezes, por exemplo, está
caindo aos pedaços. A verba que sobra para a farra dos deputados falta para
manter o prédio em condições minimamente dignas. A Casa tem 3.121 funcionários,
apenas 134 efetivos. Os demais são nomeados pelos deputados. Mas não são
encontrados no prédio, até porque a maior parte é constituída de fantasmas.
Entre os quase 3 mil comissionados, outra revelação inacreditável: 626 ocupam o
cargo de agentes parlamentares da presidência; 272 atuam como agentes especiais
da presidência e 89 são assessores especiais da presidência. Ao todo, 987 para
servir ao chefe do Legislativo.
E
este, o deputado Moisés Souza, tem para o fato uma explicação absolutamente
cínica: "Seria uma hipocrisia se tivéssemos tantos funcionários que não
pudessem percorrer o Estado e manter contato com nossas bases eleitorais. São
esses gastos (a verba de R$ 100 mil) que aumentam a qualidade dos trabalhos dos
deputados do Amapá". Haja desfaçatez!
O ESTADO DE S.PAULO/OPINIÃO/16.10.2011 - 3H08M.
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