JANGO
Lisboa
– Estou lendo JOÃO GOULART, de Jorge Ferreira, alentada biografia do
ex-Presidente que assumiu, em setembro de 1961, a cadeira do renunciante Jânio
Quadros. Houve o veto militar à posse e a isso se seguiu o episódio épico da
Cadeia da Legalidade, liderada, do Palácio Piratininga, pelo governador gaúcho
Leonel Brizola. Terminou havendo um acordo que evitou a guerra civil:
estabeleceu-se um parlamentarismo canhestro, prematuro, com Tancredo Neves de
Primeiro-Ministro.
Este,
com sua proverbial lealdade, trabalhou o tempo todo para que se restabelecesse
o presidencialismo e, com ele, os poderes que tinham sido subtraídos de Jango
Goulart. Em 1962, após plebiscito, morria aquele parlamentarismo torto e se
restabelecia o regime anterior.
Meu
pai foi líder do PTB de Jango e Brizola na Câmara, como Deputado. E desse mesmo
partido, acumulando com a liderança do Governo, no Senado.
Viveu
momentos duros. Com a queda de Jango e o advento da ditadura de março-abril de
l964, o senador Arthur Virgílio Filho, depois de ter sido um dos dois únicos a
não votar em Castelo Branco (o outro foi Josaphat Marinho), tornou-se o
primeiro líder da oposição. Minha família e eu temos muito orgulho dessa
passagem.
Jango
tomou posse apoiado na Cadeia da Legalidade, conjunto de rádios pelas quais
Brizola falava ao Brasil e, também, na coragem de alguns governadores: Mauro
Borges, de Goiás, que logo aderiu ao movimento que soprava do Sul; Gilberto
Mestrinho, do Amazonas, que apostou seu futuro politico na ideia de que o veto
a Jango ruiria, e Ney Braga, do Paraná, menos por convencimento e mais pela
pressão de Brizola e do general Machado Lopes, Comandante do III Exército,
sediado em Porto Alegre.
O livro tem mais de 700 páginas. Estou ainda no começo. Dá para perceber, no entanto, que o autor, em que pese nítida simpatia pelo personagem, realizou trabalho de fôlego.
Jango
povoou o início de minha adolescência. Era Vice-Presidente da República e
adorava comer peixes do Amazonas lá em casa, no Rio. Era um estancieiro gaúcho
típico, que saboreava as boas conversas com pessoas queridas.
Eu
o estimava. Respeito sua memoria. Mas consigo perceber sua obra de governo com
olhar crítico. Às vezes penso que a chegada à Presidência, nas condições em que
se deu, pegou-o de surpresa. Como Vice, dominava o esquema sindical e era
figura de extrema importância na política nacional. Como Presidente, exibiu
boas intenções, porém, sobretudo, não conseguiu conduzir o País pela rota da
estabilidade político-econômica.
Era
um grande ser humano. Simples e generoso.
Sofreu
muito com o exílio no Uruguai. Meu pai volta e meia o visitava.
Quem
matou Jango não foi o coração. Este foi consequência da angústia de querer
voltar à pátria e não poder.
Voltou…
para ser enterrado em São Borja.
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