LULA, O PELEGO?
Sociólogo Francisco Correia Weffort
Que coisas tão graves em seus gastos na Presidência estará
Lula procurando esconder da opinião pública? Que de tão grave têm as despesas
dos palácios do Planalto, da Alvorada e da Granja do Torto que possam explicar
a cortina de fumaça que o governo criou para impedir o controle dos cartões
corporativos de Lula, Marisa, Lulinha, Lurian etc.? A estas alturas, só o
governo pode responder a tais perguntas. E como o governo não responde, a
opinião pública, sem os esclarecimentos devidos, torna-se presa de dúvidas
sobre tudo e todos.
É conhecida a ojeriza de Lula a qualquer controle sobre
gastos. Evidentemente os dele, da companheirada do PT, dos sindicatos e do MST,
sem esquecer um sem-número de ONGs sobre as quais pesam suspeitas clamorosas.
Ainda recentemente, ele vetou dispositivo de lei que exigia dos sindicatos
prestação de contas ao TCU dos recursos derivados do imposto sindical (agora
"contribuição"). Há mais tempo, Lula era contra o imposto em nome da
autonomia sindical. Agora que está no governo, deixou ficar o imposto e derrubou
o controle do TCU. Tudo como dantes no quartel de Abrantes. O que o Lula e os
pelegos querem é o que já existia na "república populista", dinheiro
dos trabalhadores sem qualquer controle.
Lula, a chamada "metamorfose ambulante", não se
tornou ele próprio um pelego? Assim como defendeu a gastança dos sindicatos em
nome da autonomia sindical, agora defende sua própria gastança na Presidência
em nome da segurança nacional. Isso me lembra uma historinha de 1980, bem no
início do PT, quando João Figueiredo estava no governo e Lula estava para ser
julgado na Lei de Segurança Nacional. Junto com alguns outros, eu o acompanhei
numa viagem à Europa e aos Estados Unidos em busca de apoio. Como outros na
comitiva, eu acreditava piamente que tudo era em prol da liberdade sindical e
da democracia, e as coisas caminharam bem, colhemos muita simpatia e apoio nos
ambientes democráticos e socialistas que visitamos. Mas, chegando à Alemanha,
fomos surpreendidos pela recepção agressiva do secretário-geral do sindicato
alemão dos metalúrgicos. Claro, ele também era a favor da democracia e estava
disposto a defender os sindicalistas. Sua agressividade tinha outra origem: o
sindicato alemão que representava havia enviado algum dinheiro a São Bernardo e
cobrava do Lula a prestação de contas! A conversa, forte do lado alemão, foi
num jantar, e não permitia muitos detalhes, mas era disso que se tratava:
alguém em São Bernardo falhou na prestação de contas e o alemão estava furioso.
Lula se defendeu como pôde, mas, no essencial, dizia que não era com ele, que
não sabia de nada.
A viagem era longa. Antes da Alemanha, havíamos passado pela
Suécia, e fomos depois a França, Espanha, Itália e Estados Unidos. Em
Washington, tivemos um encontro com representantes da AFL-CIO, e ali repetiu-se
o mesmo constrangimento. Embora não tão agressivos quanto o alemão, os
americanos queriam prestação de contas sobre dinheiro enviado a São Bernardo.
Mas Lula, de novo, não sabia responder à indagação referente às contas. Ou não
queria responder. Não era com ele.
Nunca dei muita importância a esses fatos. A atmosfera do
país nos primeiros anos do PT era outra. Ninguém na oposição estava antenado
para assuntos desse tipo. O tema dominante era a retomada da democracia. A
corrupção, se havia, estaria do lado da ditadura. Saí da direção do PT em 1989
e me desfiliei em 1995. Até então era difícil imaginar que um partido tão
afinado com o discurso da moral e da ética pudesse aninhar o ovo da serpente.
Minha dúvida atual é a seguinte: será que a leniência do governo Lula em face
da corrupção não tem raízes anteriores ao próprio governo? A propensão a tais
práticas não teria origem mais antiga, no meio sindical onde nasceu o PT e a
atual "república sindicalista"?
Talvez essa pergunta só encontre resposta cabal no futuro.
Mas, enquanto a resposta não vem, algumas observações são possíveis. Parece-me
evidente que no momento atual alguns auxiliares da Presidência - a começar
pelos ministros Dilma Rousseff, Jorge Hage e general Jorge Felix - foram
transformados em escudos de proteção de possíveis irregularidades de Lula e
seus familiares. O outro escudo de proteção é Tarso Genro, que usa uma
ginástica retórica para, primeiro, garantir, como Dilma, que o dossiê não
existia, só um banco de dados. Depois passou a admitir que existia o dossiê,
mas que isso todo mundo faz. Mais ou menos como no episódio do mensalão,
lembram-se? Naquele momento, o então ministro Thomas Bastos, acompanhado por
Delubio Soares, disse que mensalão não existia, que eram contas não
regularizadas, sobras de campanha etc. E lula afirmou de público que isso todos
os políticos faziam. O que não impediu que o procurador-geral da República
visse no mensalão a prática delituosa de uma quadrilha criminosa.
Adotada a teoria do dossiê - aquele que não existia e que
passou a existir - criou-se uma pequena usina de rumores, primeiro contra
Fernando Henrique Cardoso e Dona Ruth, depois contra ministros do governo
anterior. Minha pergunta é a seguinte: quando virão os dossiês contra Lula e
Dona Marisa Letícia? Não é este o futuro que deveríamos almejar. Mas no que vai
do andar da carruagem dirigida por um Lula cada vez mais ególatra e
irresponsável é para lá que vamos, inelutavelmente. Quem viver verá.
Publicado em O Globo, no dia 15/04/2008.
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